Este é o segundo texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o segundo texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Santa Catarina: retomada das atividades e descentralização decisória
Nome do(a) autor(a):Tiago Daher Padovezi Borges
Instituições às quais o autor está vinculado: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Titulação: Mestre e Doutor em Ciência Política, na Universidade de São Paulo (USP)
Região: Sul
Governador (Partido): Carlos Moisés (PSL)
População: 7.164.788 (estimada em 2019)
Número de municípios: 295
Casos confirmados em 05/06/2020: 10.846
Óbitos confirmados em 05/06/2020: 159
Casos por 100 mil hab.: 151,38
Óbitos por 100 mil hab.: 2,22
* Por: Tiago Daher Padovezi Borges
Desde o dia 17 de março, quando o governador Carlos Moisés (PSL) decretou estado de emergência em Santa Catarina, passamos por diferentes momentos no enfrentamento e no convívio com a pandemia do novo coronavírus. Nesse período de quase três meses, assistimos inúmeras movimentações políticas e embates entre esferas de governo, que nos evidenciam muitos dos limites dos governos locais.
A autonomia estadual, assegurada pelo STF no mês de março, longe de ter proporcionado tranquilidade e equalização das condições de combate à pandemia, nos mostrou um quadro heterogêneo, que afeta não apenas a propagação do vírus, como também as capacidades de cada governador de implementar medidas de enfrentamento.
O estado de Santa Catarina, diferente de muitas partes do país, vive hoje uma situação de reabertura do comércio e de retomada de outros serviços[1]. Trata-se de um quadro bem distante daquele vivenciado no início da pandemia, quando apenas serviços essenciais funcionaram e a adesão ao isolamento social atingiu percentuais acima de 70%.
É importante destacar que, depois de algumas semanas, a pressão para o restabelecimento das atividades se intensificou, com declarações de associações empresariais e decretos de algumas prefeituras para a flexibilização das medidas. Assim, enquanto no primeiro momento tivemos uma grande adesão ao isolamento social, no segundo, a situação foi de maior conflito, com pressões de grupos econômicos e por um descompasso entre o governo estadual e algumas prefeituras.
Agora, o estado encontra-se em um terceiro momento, que pode ser entendido como de acomodação. Com o restabelecimento da maior parte das atividades, o governo tem gradualmente descentralizado as ações a partir das seguintes posturas: a) ênfase em cuidados pessoais de distanciamento e uso de máscaras, principalmente, em estabelecimentos fechados, sendo as empresas obrigadas a regular o cumprimento das regras; b) concessão de maior autonomia à esfera municipal para retomar as medidas de isolamento, caso a situação se agrave no município[2].
Assim, é possível afirmar que a acomodação tem tido como princípio a descentralização das ações políticas e a responsabilização privada dos cuidados.
Apesar de ainda estarmos no meio de todo o processo, é possível pensar sobre os fatores que influenciaram e possibilitaram a situação que hoje o estado se encontra. Em primeiro lugar, além da pressão de reestabelecimento por parte de setores econômicos, o estado de Santa Catarina tem um histórico eleitoral recente que não deve ser desprezado: o atual presidente da República, que tem tido um insistente comportamento de menosprezo à pandemia e manifestado críticas às medidas de isolamento, contou com um elevado percentual de votos em 2018 (76% dos votos válidos no 2° turno).
Mesmo com alguns indícios de desaprovação da postura presidencial por parte dos eleitores[3], o seu recente êxito eleitoral pode indicar e existência de uma expressiva base de apoio, que pode pressionar os prefeitos em um ano de eleições municipais.
Em segundo lugar, essas pressões conviveram com um sistema de saúde que não mostrou sinais de colapso na maior parte do estado[4], o que pode ser atribuído não apenas ao sucesso do isolamento nas primeiras semanas, mas também à estrutura de saúde que o estado já contava antes da pandemia. Nesse ponto, é necessário destacar que o estado possui uma razoável desconcentração de equipamentos de saúde, em um território marcado por municípios de médio porte em todas as regiões[5].
Assim, é fundamental destacar que o sistema de saúde catarinense, mesmo sem a construção do hospital de campanha planejado no início da pandemia[6], cresceu em sua capacidade de atendimento e apresentou, na maior parte do período, um percentual razoável de leitos de UTI ociosos na maior parte do estado. Trata-se de um dado importante, pois ele cria uma situação favorável para a manutenção de uma postura de maior flexibilização das atividades e de descentralização decisória.
Mesmo com situação melhor que outros estados, Santa Catarina apresenta um crescimento constante de casos e de óbitos, que se intensificou com a flexibilização das medidas de isolamento[7]. Esse aumento, entretanto, não foi homogêneo em todas as regiões, pois o que se verificou nessas semanas é uma expressiva dispersão geográfica: os casos que, inicialmente, se concentravam no litoral (principalmente, na Grande Florianópolis e no Sul), passaram a abranger todas as regiões[8].
Além dessa dispersão, constata-se a existência de diferentes padrões de propagação do vírus em cada região e município. Por exemplo, enquanto os da Grande Florianópolis têm tido melhores resultados, outros, de demais regiões, têm chamado atenção pelo crescimento acentuado de casos, o que fez com que o governo do Estado recomendasse medidas mais restritivas para tais localidades[9].
Esse breve relato aponta para algumas questões que, apenas a partir de estudos comparados mais detalhados, deverão ser respondidas. De qualquer modo, é importante destacar a necessidade de se pensar como diferentes “pontos de partida” influenciam tanto na propagação quanto no enfrentamento da pandemia.
Nesse ponto, tanto a estrutura socioeconômica quanto a configuração local do sistema de saúde podem reduzir ou aumentar as alternativas disponíveis na tomada de decisão dos governadores.
Partindo dessa ideia, o caso de Santa Catarina parece nos sugerir para que nos atentemos para a influência da estrutura prévia de equipamentos de saúde e das características socioeconômicas de cada microrregião do estado. Logo, é necessário refletir se a inércia federal e a autonomia conferida aos governadores podem ter tido o efeito de reafirmar desigualdades, deixando cada localidade à mercê de suas “heranças”.
Referências bibliográficas:
[1] Atualmente, há restrições para o ensino presencial no ensino básico e superior e proibição de circulação transporte coletivo (municipais, intermunicipais e interestaduais). Na próxima segunda feira (08 de junho), o governo autorizará o retorno do transporte público municipal e intermunicipal, caso os prefeitos decidam pela retomada.
[2] No dia 27 de maio, a secretaria de Saúde de estado oficializou a autonomia dos municípios na retomada de medidas mais restritivas. Como destacou o secretário, “Nós vamos apontar o risco. É obrigação do Estado apontar a forma como os serviços devem ser flexibilizado ou não. A dose (das restrições) depende do gestor local, que conhece melhor a sua realidade”.
[3] Em uma pesquisa feita com apenas quatro municípios da Grande Florianópolis, a desaprovação do governo Bolsonaro na condução do enfrentamento do novo coronavírus chegou a 73,3%. Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/coronavirus-reprovacao-bolsonaro-santa-catarina-73-142631604.html
[4] Apesar de taxas de ocupação abaixo dos 70% na maior parte do estado, o município de Itajaí já alertou para a falta de UTIs no final do mês passado. Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/03/27/prefeitura-de-itajai-alerta-para-falta-de-uti-mesmo-que-poucos-moradores-tenham-coronavirus.ghtml
[5] Em uma consulta ao DATASUS, quando pesquisamos sobre a distribuição de hospitais e leitos, verificam-se os seguintes percentuais, respectivamente, por região: Sul, com 11% e 15%; Planalto Norte e Nordeste, com 14% e 16%; Meio Oeste e Serra Catarinense, com 17% e 15%; Grande Oeste (maior cidade: Chapecó), com 16% e 12%; Grande Florianópolis, com 22% e 20%; Foz do Rio Itajaí, com 6% e 7%; Alto Vale do Itajaí, com 14% e 14% (DATASUS – Fevereiro de 2020).
[6] No início da pandemia, o governo do estado havia anunciado a criação de um hospital de campanha, que seria localizado na região de Itajaí. Entretanto, esse projeto foi suspenso pelo Tribunal de Contas. Fonte:https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/tribunal-volta-a-suspender-contratacao-do-hospital-de-campanha-de-itajai
[7] No dia 22 de abril, quando foi autorizado a retomada de shopping centers, restaurantes e academias, o estado contava com 1.115 casos e 39 óbitos. Quarenta e cinco dias depois, no dia 05 de junho, os valores são de 10.846 de casos e 159 de óbitos.
[8] Dos 10.846 casos e 159 óbitos do dia 05 de junho, é possível identificar a seguinte distribuição, respectivamente: Grande Florianópolis com 12% e 9%, Vale do Itajaí com 11% e 9%, Foz do Rio Itajaí com 16% e 19%, Planalto Norte e Nordeste com 11% e 21%, Sul, com 13% e 19%, Meio Oeste e Serra com 17% e 8% e Grande Oeste com 19% e 14%
[9] Para a região do município de Concórdia, localizado no “Meio Oeste e Serra”, o governo do estado recomendou a adoção de medidas mais restritivas. Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/05/07/numero-de-casos-de-coronavirus-em-sc-passa-de-3-mil-com-63-mortes.ghtml
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