Este é o sexto texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o sexto texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
São Paulo põe fim à quarentena com curva de contágio e mortes em ascensão
Nome dos(as) autores(as): Eduardo Lazzari; Hellen Guicheney; Carolina Requena e Sergio Simoni Jr
Instituições às quais estão vinculados(as): (Eduardo) CEM, Rede de Políticas Públicas & Sociedade, Visiting Scholar Harvard; (Hellen) CEM, CEBRAP e Rede de Políticas Públicas & Sociedade; (Carolina) CEM, Rede de Políticas Públicas & Sociedade; (Sergio) CEM, UFRGS, Rede de Políticas Públicas & Sociedade
Titulação: Doutorando (DCP/USP); Doutora (DCP/USP); Doutora (DCP/USP); Doutor (DCP/USP)
Região: Sudeste
Governador (Partido): Joao Doria (PSDB)
População: 45.919.049
Número de municípios: 645
Casos confirmados em 05/06/2020: 134.565
Óbitos confirmados em 05/06/2020: 8.842
Casos por 100 mil hab.: 293,048
Óbitos por 100 mil hab.: 19,255
* Por: Eduardo Lazzari; Hellen Guicheney; Carolina Requena e Sergio Simoni Jr
Primeiro estado com registro da Covid-19 no País, São Paulo rapidamente adotou o distanciamento social ampliado, modalidade menos restritiva e eleitoralmente custosa que o lockdown. Apesar de precoce, a medida apresentou rigidez inferior ao observado em países como Argentina, Espanha e Itália.
O debate sobre a necessidade de adoção do lockdown em SP ganhou força a partir da queda da adesão ao distanciamento, em abril. No mês seguinte, o próprio coordenador do comitê de contingência estadual afirmou a insuficiência da modalidade adotada, mas o governador seguiu afastando a possibilidade de maior restrição, além de demandar corresponsabilidade da população. A adesão social, contudo, não pode ser considerada um processo que dependa unicamente de iniciativa individual, mas deve ser analisada como resposta a políticas adotadas pelo governo em diferentes níveis.
Os problemas de implementação da renda básica emergencial – principal política federal de proteção à renda durante a pandemia – são ilustrativos das dificuldades de obtenção de condições mínimas para se permanecer em casa. O distanciamento também se viu refreado pela postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em reiteradas declarações desqualificando a gravidade da doença, além de aparições em manifestações a seu favor. Políticas locais, como a ampliação do rodízio na capital e o adiantamento de feriados, foram implementadas para desestimular a circulação, mas nem sempre com os resultados pretendidos.
Plano de reabertura versus indicadores de combate à Covid-19
Ao final de maio, mesmo com adesão ao distanciamento em queda e curva de casos e mortes em ascensão, o governador João Doria (PSDB) estipula o fim da quarentena e o início de um plano de reabertura econômica, o Plano São Paulo, prevendo um desconfinamento gradual e controlado a partir de junho.
O grau de abertura é determinado para cada um dos 17 departamentos regionais de saúde (DRSs), além da própria capital, segundo dois grupos de critérios: capacidade do sistema de saúde (taxa de ocupação e nº de leitos UTI-Covid) e estágio da evolução da pandemia (nº de casos, internações e óbitos). De acordo com os resultados alcançados, uma região pode ser classificada numa escala de cinco pontos, sendo a Fase 1 a mais restritiva e 5, a menos.
Contudo, se considerada a orientação de abertura feita pela OMS aos países e autoridades subnacionais, vê-se que duas recomendações fundamentais são desconsideradas pelo plano paulista: que a transmissão da Covid-19 esteja controlada; e que o sistema de saúde esteja apto a detectar e testar os casos existentes.
Considerando o primeiro ponto, da transmissão, assusta o fato de que o próprio governo apresente, em documento oficial, uma projeção ainda crescente do número de casos para junho, o que difere da recomendação da OMS e de inúmeros epidemiologistas: que haja uma trajetória decrescente da curva antes do processo de abertura.
Passando à observação da evolução da doença nas DRSs, mais especificamente, vê-se que estas apresentam, de modo geral, curvas ascendentes de novos casos/dia, ainda que com velocidades diferentes.
A preocupação com o crescimento dos casos se torna evidente quando observamos que a taxa de ocupação média de respiradores no estado foi de 96,2% em abril.
Considerando a testagem, segundo ponto citado dentre as recomendações da OMS, cabe notar o péssimo cenário apresentado pelo Brasil: segundo dados oficiais de ministérios de saúde de 93 países, ocupamos a 83ª posição. E, embora o governo estadual afirme dispor de 2 milhões de testes rápidos e outros 2 milhões RT-PCR, o fundamental a considerar é que o tema não se constitui como um critério para que uma DRS se desloque de uma fase de abertura para outra, menos restritiva.
Críticas de prefeitos, omissão estadual e irresponsabilidade federal
No âmbito federativo, o governo do estado se viu pressionado tanto por municípios quanto pelo nível federal.
Vários prefeitos demandaram reabertura enquanto o estado prorrogava o isolamento. Alguns chegaram a editar decretos (depois barrados pelo Tribunal de Justiça) atenuando as restrições. O prefeito de Campinas exigiu mais “empatia” por parte do governador ante a população em dificuldade.
Apresentado o plano, lideranças de cidades litorâneas reclamaram do elevado grau de rigidez com que foram enquadradas. Integrantes da prefeitura da capital também não concordaram com as indicações de que toda a Grande São Paulo continuaria com nível máximo de isolamento. Modificações no Plano se seguiram: a capital foi alocada na Fase 2, enquanto os municípios adjacentes permaneceram na 1 (a despeito do fluxo diário de pessoas existente).
Pode-se interpretar o comportamento dos prefeitos tendo em vista as eleições municipais que se aproximam. Pressões de grupos econômicos locais criam custos políticos para prefeitos que defendem o confinamento, que podem ser acusados de “causar a crise econômica”, embora esta seja inevitável.
Na outra ponta, soma-se o comportamento do governo federal. Além do desincentivo ao distanciamento social, Bolsonaro esvaziou o Ministério da Saúde, inibindo seu papel de coordenação subnacional; postergou a ajuda financeira aos estados; e criticou governadores, em especial os postulantes à Presidência em 2022.
Ainda assim, não é possível eximir o governo estadual de responsabilidade. O plano de reabertura está sendo implementado enquanto casos crescem, desconsiderando critérios da OMS e anteriores do próprio governo. Adotam-se divisões que parecem ceder a pressões políticas, como a distinção de isolamento temporariamente instaurada entre RM e capital. Tal redirecionamento pode se revelar precipitado, resultando no agravamento da pandemia, sobrecarregamento da rede hospitalar, além de piora dos indicadores socioeconômicos.
Eduardo Lazzari é doutorando em ciência política pela USP, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (Cem), da Rede de Políticas Públicas & Sociedade e Visiting Scholar em Harvard University.
Hellen Guicheney é doutora em ciência política pela USP, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem), do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.
Carolina Requena é doutora em ciência política pela USP, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.
Sérgio Simoni Jr. é doutor em ciência política pela USP, professor no curso de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e pesquisador da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.
Colaboradora:
Renata Bichir é doutora em ciência política, professora no curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (Cem) e da Rede de Políticas Públicas & Sociedade.