Este é o terceiro texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
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Santa Catarina: O agravamento da pandemia e os desafios da descentralização no enfrentamento
Nome do(a) autor(a): Tiago Daher Padovezi Borges
Instituições às quais o autor está vinculado: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Titulação: Doutor em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)
Região: Sul
Governador (Partido): Carlos Moisés (PSL)
População: 7.164.788 (estimada em 2019)
Número de municípios: 295
Data do registro do primeiro caso no estado: 12/03/2020
Data do primeiro óbito no estado: 25/03/2020
Casos confirmados em 22/08/2020: 132.008
Óbitos confirmados em 22/08/2020: 2.027
Casos por 100 mil hab.: 1.842
Óbitos por 100 mil hab.: 28
Decreto estadual em vigor no dia 23/08/2020: Decreto nº 792 de 14 de agosto de 2020
Índice de isolamento social no estado: 36,4% (21/08/2020)
* Por: Tiago Daher Padovezi Borges
Após mais de cinco meses de enfrentamento e convivência com a pandemia do novo coronavírus, é possível observar uma maior estabilidade das decisões políticas do que da propagação do vírus. Mesmo depois do agravamento da crise sanitária, que contou com pressões e embates em torno de um iminente colapso do sistema de saúde, o governo do estado de Santa Catarina adotou uma postura cautelosa, mantendo uma grande flexibilização das atividades econômicas e autonomia decisória dos municípios. Assim, é importante tratar desse quadro, que envolve o aumento do contágio, sobrecarga no sistema de saúde, mas que, paradoxalmente, não proporcionou a retomada de restrições mais severas às atividades econômicas.
Até o mês de junho, o estado de Santa Catarina experimentava uma situação relativamente confortável, quando comparamos com outros estados. Três meses após o anúncio de situação de emergência, a capital Florianópolis contava com 1.000 casos e 9 óbitos [1] e Joinville, município mais populoso do estado, apresentava 24 óbitos e 675 casos confirmados. O município de Itajaí, sempre visto com preocupação pelas autoridades, tinha 1.052 casos e 21 óbitos [2]. Dois meses depois, no dia 17 de agosto, essa situação se altera de maneira alarmante, com um aumento acentuado de casos e óbitos: Florianópolis registrou nessa data 4.999 casos e 96 óbitos; Joinville, 10.188 e 210; e Itajaí 4.301 casos e 136 óbitos. Embora a doença tenha se “interiorizado”, como ocorreu em outros estados, ela alastrou-se intensamente nesses últimos dois meses em grandes cidades e em regiões litorâneas, mostrando-se mais letal que nos primeiros meses.
O mapa a seguir mostra a distribuição geográfica de casos no dia 24 de julho, já indicando que a interiorização do novo coronavírus em Santa Catarina não foi acompanhada de uma redução na intensidade do contágio em regiões litorâneas: mesmo com alguns pontos no oeste do estado, há uma concentração maior de casos em regiões de municípios como Florianópolis, Itajaí, Blumenau e Joinville.
Assim, a sensação inicial de segurança cedeu espaço para um temor em relação à propagação e à letalidade do SARS-CoV-2, principalmente, em municípios mais populosos litorâneos e no norte do estado. Os próximos gráficos nos mostram como isso se desenvolveu nas diferentes regiões do Estado [3]:
Como fica evidente, todas as regiões apresentaram um aumento progressivo e acentuado de casos confirmados e de óbitos, sendo importante destacar a região de Foz do Rio Itajaí, que possui os maiores valores relativos. Mesmo contando com crescimento, as regiões do Meio Oeste e Grande Oeste, localizadas no interior, apresentaram valores menores que as demais. Ou seja, mesmo com a chegada do vírus no interior, ele voltou a se propagar em regiões litorâneas do estado.
Mas qual o impacto desse agravamento nos leitos de UTI do estado? O próximo gráfico apresenta a evolução da ocupação por região do estado:
O gráfico 3 mostra que todas as regiões tiveram uma ocupação expressiva, principalmente, na terceira semana do período escolhido. É importante destacar a situação crítica da região do Foz do Rio Itajaí e do Sul, que apresentaram uma ocupação acima de 90% nas semanas do dia 18 ao dia 24 de julho. As regiões onde se encontram os municípios de Joinville (Planalto Norte e Oeste) e Florianópolis (Grande Florianópolis) apresentaram valores de ocupação próximos ou superiores a 80% [4]. Mesmo longe de hoje contar com uma situação confortável, é importante mencionar que, na última semana, verificou-se uma queda na ocupação em boa parte das regiões do estado.
Diante de tal quadro, apesar da ausência de medidas mais radicais de enfrentamento, é importante pontuar a existência de algumas ações por parte do governo do estado e de algumas prefeituras. Em primeiro lugar, em algumas regiões mais críticas, o governo do estado voltou a atuar, restringindo o transporte municipal e intermunicipal. Assim, mesmo defendendo a autonomia municipal na tomada de decisão da flexibilização de atividades econômicas [5], o governo adotou algumas medidas de restrição da circulação. Em segundo lugar, também houve um incremento da quantidade de leitos de UTI nas últimas semanas: de 1.366 leitos totais no primeiro dia de agosto para 1.474, no dia 21 de junho. Trata-se de um aumento importante, que auxiliou na redução da pressão do sistema de saúde.
Assim, é possível vislumbrar que as ações estaduais caminharam no sentido de fortalecer o sistema de saúde, reduzir a circulação e manter certa autonomia municipal. Nesse período, Blumenau adotou medidas mais restritivas, limitando o funcionamento de alguns estabelecimentos comerciais e proibindo a abertura de restaurantes e academias [6]. Outras iniciativas foram registradas na região Sul [7] e Grande Florianópolis, que optaram por maiores restrições de horários no comércio e outros serviços, embora sem nenhuma proibição completa. Ou seja, apesar de dificuldades de articulação e da pressão pela manutenção das atividades, algumas prefeituras tomaram algumas decisões de maior restrição.
Ainda é cedo para afirmar que Santa Catarina atravessa seu “pico” na propagação do novo coronavírus, entretanto é importante destacar que, mesmo no momento de maior crise, o governo estadual não retomou o completo controle das ações de enfrentamento. Logo, persiste o padrão de descentralização decisória, com algumas medidas incrementais na restrição de atividades, acrescido de um fortalecimento da rede de saúde a partir da disponibilização de leitos de UTI. Mesmo diante de medidas adotadas por alguns municípios, o quadro geral é de persistência de uma lógica pautada pela flexibilização e pela ênfase nos cuidados individuais (uso de máscaras e distanciamento social). Diante desse quadro, é importante indagar sobre os custos de alteração dos rumos adotados pelo governo estadual, que envolvem pressões econômicas, custos políticos e de aceitação das pessoas.
Referências bibliográficas:
[1] Florianópolis chegou a ficar mais de um mês sem registrar um óbito pela doença no mês de maio, no período que a situação de outras capitais entrava em uma situação alarmante. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/06/florianopolis-nao-tem-morte-por-covid-19-ha-quase-um-mes.shtml
[2] Dados relativos ao dia 17 de junho de 2020. Fonte: https://www.coronavirus.sc.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/boletim-epidemiologico-17-06-2020-1.pdf
[3] Para organização dos dados, foram feitas análises a partir de valores acumulados por semana. Os valores foram retirados do último dia da semana correspondente.
[4] Pelo seu caráter agregado, esses dados omitem algumas informações de municípios que anunciaram a lotação máxima de UTIs e a falta de insumos para o tratamento. Ou seja, a situação e apresentou mais grave quando observamos a situação de alguns municípios, como Florianópolis e Joinville, que recebem pacientes de outras localidades.
[5] É importante destacar que essa postura foi alvo de críticas do ministério público estadual, que chegou a entrar na justiça para que o governo do estado retomasse a gestão do enfrentamento. Assim afirmou o Procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina: “A transferência de responsabilidade do Estado para os municípios tem enfrentado uma série de dificuldades na prática. Medidas não são adotadas nas regiões por divergências entre prefeitos ou são adotadas tardiamente. Por isso, o MP pediu uma intervenção direta do Estado nessas regiões. O Estado efetivamente interveio, mas as medidas estão muito aquém daquelas recomendadas pelos órgãos técnicos”. Fonte: https://www.nsctotal.com.br/noticias/nao-esta-dando-certo-diz-chefe-do-mp-sc-sobre-estrategia-do-governo-contra-a-pandemia
[6] Fonte: https://www.economiasc.com/2020/07/20/blumenau-adota-novas-medidas-restritivas-contra-o-coronavirus/