Este é o décimo sétimo texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o décimo sétimo texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Roraima e a tríplice fronteira no enfrentamento à Covid-19
Nome dos(as) autores(as): Geyza Alves Pimentel; Cleber Batalha Franklin e Dorcilio Erik Cícero de Souza
Instituição à qual os(as) autores(as) estão vinculados(as): Universidade Federal de Roraima
Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutora em Ciência Política (UFRGS); Doutor em Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional (UnB); Mestre em Desenvolvimento Regional da Amazônia (UFRR)
Região: Norte
Governador (Partido): Antonio Denarium (sem partido)
População: 605.701 (IBGE, 2020)
Número de municípios: 15
Casos confirmados em 08/06/2020: 6.056
Óbitos confirmados em 08/06/2020: 168
Casos por 100 mil hab.: 1000
Óbitos por 100 mil hab.: 27,73
* Por: Geyza Alves Pimentel; Cleber Batalha Franklin e Dorcilio Erik Cícero de Souza
Roraima é o Estado da Federação com a menor população, estimada no ano de 2019 de 605.701 pessoas (IBGE, 2020). Sendo que, aproximadamente, dez por cento composta por indígenas, pertencentes a onze etnias, e em diferentes estágios de contato [1].
Geograficamente, o Estado de Roraima está localizado em uma tríplice fronteira, com duas entradas internacionais (República Bolivariana da Venezuela e a República Cooperativista da Guiana). O que tem facilitado o trânsito de refugiados e migrantes cubanos, haitianos e, principalmente, venezuelanos nos últimos anos.
Muitos destes migrantes utilizam o Estado como rota para adentrar ao restante do país, por via aérea ou pela BR-174 que liga ao Estado do Amazonas, um dos mais afetados com a pandemia do COVID-19. Em meio a crise na saúde mundial, Roraima tem um quadro de saúde pública inquietante, para além de sua população indígena, naturalmente frágil diante de doenças transmissíveis contagiosas, acompanhado com o crescimento significativo de migrantes e refugiados, muitos já debilitados por doenças e pela subnutrição.
Roraima possui 15 municípios, sendo que, a capital Boa Vista abriga 65,9% dos seus habitantes e concentra os principais serviços de saúde do Estado (hospitais, clínicas e laboratórios) gerenciados pela Secretaria de Estado de Saúde (SESAU). Em atendimento as orientações do Ministério da Saúde (MS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Estado lançou uma Campanha de Conscientização voltada para o combate ao COVID-19 no início da pandemia.
Aproveitando uma reunião em Brasília com o então Ministro da Saúde – Henrique Mandetta, a temática principal foi a definição de estratégias de prevenção ao Coronavírus, com destaque para um Plano de Ação para evitar que o vírus se propagasse pelo país através das fronteiras de Roraima, justificando-se a necessidade do fechamento das fronteiras internacionais, com a República Cooperativista da Guiana, visto que, ela é rota de entrada para migrantes haitianos e cubanos em sua maioria; e com a República Bolivariana da Venezuela, que registra um fluxo muito grande de migrantes e refugiados devido ao agravamento da crise político humanitária vivenciada naquele país nos últimos anos.
Em meio às informações diárias sobre o agravamento do COVID-19, o Governo de Roraima manteve ações que foram registradas pelo médico infectologista, Alexandre Salomão (Folha de Boa Vista, 20/03/2020), como “medidas sanitárias necessárias, não farmacológicas”, mesmo assim, no dia 21 de março houve o registro oficial dos dois (02) primeiros casos de Coronavírus, divulgado pela SESAU e Governo do Estado.
Como uma das primeiras ações elencadas pelos Decretos publicados pelo governo do Estado, destaca-se a elaboração do Plano de Contingência do Estado de Roraima para Enfrentamento da Doença pelo Coronavírus 2019, [2] que contém informações na Tabela 1 sobre os hospitais de referência para COVID-19, Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), Hospital Geral de Roraima (HGR) e o Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth (HMINSN), sendo o primeiro administrado pelo município de Boa Vista.
A emissão do Decreto Nº 28.587-E de 16 de março de 2020 direcionou as medidas de isolamento, quarentena, suspensão de aulas da rede estadual, eventos e aglomerações, além das visitas às unidades de saúde e do sistema prisional, ações que deveriam ser adotadas pela população, estado e municípios. Esse Decreto seguiu o mesmo entendimento do Decreto Nº 13.979 de 06 de fevereiro de 2020 editado pelo governo federal, uma vez que o estado estava assumindo o controle epidemiológico de duas fronteiras internacionais e uma frente nacional, com o Amazonas.
Seis dias após a promulgação do primeiro Decreto, foi editado o segundo de número 28.635-E, de 22 de março de 2020, declarando estado de calamidade pública em todo o território do Estado de Roraima para fins de prevenção e de enfrentamento à pandemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus). Nesta edição, o Decreto se fundamentou pela instalação de postos de controle sanitário no Aeroporto Internacional de Boa Vista na Rodoviária Internacional de Boa Vista, no Posto de Fiscalização da Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ) na Vila Jundiá (município de Rorainópolis), no Posto de Fiscalização da SEFAZ no município de Pacaraima e no Posto de Fiscalização da SEFAZ no município de Bonfim.
A situação de declaração de calamidade pública em Roraima, atrelada ao fechamento das fronteiras internacionais como solicitado ao governo federal, atendido a partir do dia 19 de março, e a instalação dos postos de controle como descritos acima, não foram suficientes para barrar a entrada do vírus em território roraimense.
O afrouxamento de atividades comerciais, representou também o relaxamento nos cuidados com isolamento e equipamentos de segurança por parte da população, desencadeando o contágio social no Estado, observado pelos Boletins Epidemiológicos publicados diariamente pelo governo do Estado e SESAU [3].
No cenário nacional de embate entre a maioria dos governadores e o Presidente da República, Antonio Denarium [4] tem apoiado o Presidente. No entanto, as condições fronteiriças e sociais, fizeram com que as decisões iniciais do Governador fossem no sentido de preservar a saúde e decretar a calamidade pública no Estado logo no mês de março, indo de encontro com o discurso do Presidente de afrouxamento das decisões de distanciamento e volta ao trabalho.
Apesar da coordenação das ações das políticas de saúde serem responsabilidade do poder central, estados e municípios são responsáveis por colocá-las em prática na ponta. No entanto, a dependência econômica de Roraima dos repasses de recursos e equipamentos pelo governo federal, dificulta a implementação dessas políticas de saúde na velocidade que o momento de crise tem exigido.
O Decreto Nº 28.663-E prorrogou até o dia 10 de abril a situação de calamidade pública, especificou o retorno das atividades escolares para o dia 06 de abril de 2020, na modalidade não presencial, com a utilização de metodologias e ferramentas diversas, de forma a possibilitar a continuidade do calendário escolar.
Dois fatores foram geradores de discussão neste processo de pandemia. Um, diz respeito ao retorno das aulas no dia 06 de abril na modalidade não presencial, como destacado pela Secretária de Estado de Educação, Leila Perussolo, em que estas atividades seriam executadas a partir da “entrega de apostilas, textos para estudos dirigidos, ou WhatsApp e demais redes sociais para possibilitar que os alunos não fiquem ociosos nesse momento de isolamento social” [5].
Apesar das possibilidades colocadas pela Secretária, a Educação em Roraima tem um outro diferencial que merece ser discutido, são aproximadamente 264 escolas indígenas com um total de 16.802 estudantes que ainda estão cumprindo o calendário do ano de 2019, segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR) [6]. Estas não possuem capacidade para atender a demanda dos estudantes, e com o aumento do número de óbitos por COVID-19 nas comunidades indígenas, somente no início de junho cinco professores indígenas faleceram.
O segundo fator a ser destacado, diz respeito a Área de Proteção e Cuidado (Hospital de Campanha), que seria responsável pela centralização dos casos identificados de Coronavírus dos municípios e transferidos para a capital; além de uma ala destinada ao atendimento de indígenas, acordo firmado com a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA.
Sob a responsabilidade do Exército Brasileiro, foi divulgado no dia 26 de março de 2020, que a Operação Acolhida mudaria o Hospital de Campanha de Pacaraima (município na fronteira com a Venezuela) para Boa Vista. Esse Hospital que deveria sanar as dificuldades de leitos no estado para o atendimento do COVID-19, incluindo a ampliação dos leitos de UTI, é objeto de ação da Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR), que realizou um acordo para abertura imediata do espaço.
No entanto, ainda faltam os equipamentos, pessoal especializado e treinamento específico para atender o público com a COVID-19. O atraso na inauguração do Hospital de Campanha está acarretando diversas denúncias, visto que Roraima atingiu o limite de sua capacidade de atendimento em UTI, afogando o sistema do HGR.
Atrelado a essas denúncias, a Prefeitura de Boa Vista e o Governo do Estado trocaram uma série de acusações sobre a responsabilização dos atendimentos e a falta de testes. Se por um lado as 36 Unidades Básicas de Saúde, responsabilidade da Prefeitura de Boa Vista, não conseguem ofertar os serviços primeiros para a COVID-19 (faltam testes e remédios), por outro lado, a busca por atendimento básico é direcionada ao HGR, que também foi alvo de denúncias, inclusive na grande mídia nacional.
Opositores no campo político, o Governador Antonio Denarium e a Prefeita Teresa Surita (MDB), não conseguiram entrar em entendimento para trabalhar em parceria neste momento de pandemia, isso reflete no aumento dos casos nos meses de abril e maio, levando Roraima a uma taxa de letalidade de 2,6% da população, segundo o Painel CONASS – COVID-19 [7].
Referências bibliográficas:
[1] Dados obtidos junto ao site do Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/programas/povos-indigenas-no-brasil. Acesso em: 28/04/2020.
[2] Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/PLANO-DE-CONTINGENCIA-novo-coronavirus-RORAIMA-EM-REVIS–O.pdf . Acesso em: 30/04/2020.
[3] Disponível em: https://saude.rr.gov.br/index.php/informacoesx/coronavirus/informacoes-coronavirus. Acesso em 07/06/2020.
[4] Quando no início da pandemia, Antonio Denarium estava assinando os documentos dos governadores quanto ao apoio de recursos federais. Entretanto, nas últimas duas cartas publicadas, com críticas a conduta do Presidente da República, o Governador absteve-se em assinar.
[5] Disponível em: http://portal.rr.gov.br/index.php/component/k2/item/1557-aulas-na-rede-estadual-de-ensino-retornam-de-forma-nao-presencial-a-partir-de-amanha-1. Acesso em: 30/04/2020.
[6] Disponível em: http://cir.org.br/site/2020/04/17/professores-indigenas-denunciam-falta-de-estrutura-para-ead-e-ameaca-de-corte-salarial-em-meio-a-pandemia/. Acesso em: 30/04/2020.
[7] Disponível em: http://www.conass.org.br/painelconasscovid19/#.Xt15yc4kNeo.whatsapp. Acesso em: 07/06/2020