Este é o décimo segundo texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
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Rondônia e as mais de mil mortes por Covid-19
Nome dos(as) autores(as): Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos e Márcio Secco
Instituição à qual os(as) autores(as) estão vinculados(as): Professora da Universidade Federal de Rondônia (DCS/DHJUS/UNIR); Professor da Universidade Federal de Rondônia (DFIL/DHJUS/UNIR)
Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutora em Relações Internacionais pela UnB; Doutor em Filosofia pela UFSC
Região: Norte
Governador (Partido): Marcos Rocha (PSL)
População: 1.777.225 (est. IBGE, 01/07/2019)
Número de municípios: 52
Data do registro do primeiro caso no estado: 20 de março
Data do primeiro óbito no estado: 30 de março
Casos confirmados em 24/08/2020: 51.791
Óbitos confirmados em 24/08/2020: 1.073
Casos por 100 mil hab.: 2.914,1
Óbitos por 100 mil hab.: 60,4
Decreto estadual em vigor no dia 23/08/2020: Decreto Nº 25.291, de 13 de agosto de 2020
Índice de isolamento social no estado em 24/08/2020: 38,9
* Por: Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos e Márcio Secco
Na data de 8 de agosto o Brasil atingiu a negativa marca de mais de 100 mil mortes [1] por covid-19. Uma semana depois, no dia 14 de agosto, Rondônia compartilhava da pesarosa estatística, registrando 1.001 mortes pelo novo coronavírus. Depois de cinco meses entre flexibilizações e isolamento social, informações confusas e desarticulação política no combate à pandemia, é difícil mensurar quantas vidas poderiam ter sido salvas, fazendo parecer que o discurso de naturalização da morte triunfou e que a covid-19 e todas as suas consequências compõem o quadro da normalidade.
Os dados do Ministério da Saúde revelam que a região norte tem a maior taxa de mortalidade a cada 100 mil/hab [2]. Dos sete estados que compõem a região, Roraima apresenta a maior taxa, de 95,6, que é também a mais alta do país. Já a taxa em Rondônia é de 60,4. A explicação pode estar em dois fatos: precariedade do sistema de saúde e baixa adesão ao isolamento social aumentando o número de casos confirmados. A taxa de incidência da doença a cada 100 mil habitantes nos estados da região norte é de 2.757,3, também a mais elevada entre as regiões do país.
Em Rondônia, não foram disponibilizadas informações sobre a raça, a renda, a profissão ou a área de moradia das pessoas que morreram devido à covid-19. Tais dados permitiriam verificar a hipótese de como a desigualdade social é fator de risco para a morte devido ao novo coronavírus, seja pela debilidade das políticas públicas e precariedade dos serviços de saúde ou pelas condições sanitárias de moradia e impossibilidade de isolamento social por necessidade de trabalho, por exemplo.
Na data de 24 de agosto [3], Rondônia registrou 1.073 mortes, das quais 61,1 % são de homens e 38,9% são de mulheres. A maior parte dos óbitos ocorreu na faixa etária de 60 a 79 anos, correspondendo a 47,2% do total, ainda que a maior parte dos casos confirmados estivessem concentrados na faixa etária de 30 a 49 anos, sendo 46,7% do total. Dentre a população indígena há 876 casos confirmados e 12 óbitos. A maioria dos casos confirmados está localizada na cidade de Guajará-Mirim e as etnias indígenas mais atingidas foram a Cinta Larga e a Oro Nao, com 143 e 104 casos confirmados respectivamente.
Apesar das condições do sistema prisional em Rondônia serem apontadas como precárias e sendo um estado com alto índice de encarceramento, houve somente um óbito registrado em unidade prisional, no município de Vilhena (Regional 3 – Centro de Ressocialização Cone Sul), diante de 325 casos confirmados em todas as unidades prisionais.
A Universidade Federal de Rondônia, que tem as atividades de ensino presenciais suspensas desde março, também tem monitorado os casos confirmados e os óbitos entre servidores e alunos desde o dia 16 do referido mês. Os dados registrados até 24 de agosto revelam 403 casos confirmados e quatro óbitos.
Um novo contexto merece ainda ser destacado. A mudança do perfil da população atingida pela doença vai se consolidando. O que iniciou como uma doença da classe média alta residente em grandes cidades aos poucos foi se tornando uma doença que afeta cada vez mais as populações mais pobres e as cidades do interior. Esse dado pode ser notado em Rondônia. Quando consideramos o número total de óbitos desde o início da pandemia até 24 de agosto, a capital Porto Velho, que concentra praticamente um terço da população do estado, conta com praticamente 60% do total das mortes (623 de um total de 1.073).
Contudo, se analisarmos somente os dados de 1 a 24 de agosto, o total de óbitos no período é de 192, sendo que o interior do estado corresponde a 70,3% dos óbitos. A proporção de óbitos no interior do estado preocupa por diversas razões. Uma delas é a situação precária da rede de atendimento à saúde em cidades do interior. A maior parte dos municípios de Rondônia não é atendida por UTI, nem tem profissionais de saúde em número e especialidades suficientes para lidar com o aumento de casos ocasionados pela pandemia.
Na data de 24 de agosto Porto Velho corresponde a apenas 11% das mortes, ou seja, um dos oito óbitos. Os municípios que apresentaram os outros casos são Guajará-Mirim (1), Ouro Preto do Oeste (1), Pimenta Bueno (1), Nova Brasilândia D’Oeste (1), Cujubim(1), Nova União (1), Alvorada D’Oeste (1). [4] Todos são municípios pequenos. Guajará-Mirim possui uma população aproximada de 46 mil habitantes e Nova Brasilândia, pouco mais de 3.800 habitantes (est. IBGE, 2019). Lembrando que em Guajará Mirim a população indígena tem sido afetada pela covid-19.
A região norte relegada ao ciclo de vulnerabilidades e exploração entende seu número elevado de mortes como consequência de seus conflitos sociais, nos quais o processo de desumanização está mais uma vez presente. Por enquanto, não há resposta sobre a dimensão que o número de mortes pode atingir. O gráfico sobre os casos ativos em Rondônia demonstra uma queda sugerindo que o primeiro pico da contaminação pode ter terminado.
Atualmente, a capital do estado, Porto Velho, e mais 39 municípios estão na fase 3 de isolamento social. Na fase 3 não é permitido evento com mais de dez pessoas, funcionamento de casas de show, bares e boates, bem como cinemas e teatros, balneários e clubes recreativos. Na área da educação ainda não são permitidos cursos e afins para pessoas menores de 18 anos, cursos profissionalizantes e de capacitação em instituições públicas e cursos e afins com mais de dez pessoas. As demais atividades de comércio estão liberadas respeitando-se as restrições sanitárias.
As regras de distanciamento e funcionamento de estabelecimentos, ainda que existam de maneira clara nos decretos publicados pelo governo estadual, parecem não ter atingido a opinião pública. Grande parte da população não tem ideia de qual seja a fase em que sua cidade se encontra, e quais seriam, consequentemente, as medidas a serem adotadas e os comportamentos permitidos ou proibidos. Isso se deve, em grande medida, à falta de comunicação do governo com a população e à ausência de publicização e campanhas de conscientização das pessoas. Por outro lado, parece crescer o número de pessoas que, a despeito dos mais de mil mortos, acreditam que as medidas de prevenção deveriam ser flexibilizadas e a vida deveria voltar “ao normal”.
O estado realizou um total de 157.674 testes segundo dados disponibilizados pelo próprio governo [5]. Ao todo foram registrados 51.791 casos confirmados até o dia 24/08, o que significa que aproximadamente 33% dos testados tiveram resultado positivo. Esse número é considerado alto pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em países com alto índice de testagem os casos confirmados giram em torno de 5%. Dos testes realizados no Brasil, 31% são positivos. A explicação é a baixa testagem com provável alto índice de subnotificações. O fato de Rondônia estar desde o dia 14 de agosto com boa parte dos municípios do estado (86,5%) nas fases 2 e 3, sendo a fase 4 a mais permissiva e a fase 1 a mais rigorosa, demonstra que aos poucos as mortes por covid-19 começam a se tornar o novo normal e se juntam às demais mortes por doenças ou causas externas registradas nos obituários diários do estado.
Até o momento a situação traumática causada pela pandemia do novo coronavírus não parece ter sido suficiente para uma reflexão mais profunda sobre o papel do estado, sobre a infraestrutura deficiente da saúde pública, sobre as condições de moradia da população, sobre a situação dos povos indígenas ou mesmo sobre a necessidade de mudanças profundas na maneira como nos relacionamos com a política e com os governantes.
Referências bibliográficas:
[1] Segundo os dados do Ministério da Saúde, no dia 08 de agosto foram contabilizados 100.477 óbitos no Brasil por Covid-19.
[2] A taxa é de 71,2 segundo dados do Ministério da Saúde de 24 de agosto de 2020. Ver: https://covid.saude.gov.br/.
[3] Dados da Secretaria de Saúde do estado de Rondônia (SESAU-RO).
[4] Boletim diário 159 sobre coronavírus em Rondônia. Ver: <http://www.rondonia.ro.gov.br/edicao-159-boletim-diario-sobre-coronavirus-em-rondonia/>
[5] Dados da Secretaria de Saúde do estado de Rondônia (SESAU-RO). Ver: <http://covid19.sesau.ro.gov.br/>