Este é o décimo quarto texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o décimo quarto texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Pandemia em Rondônia: “destino” ou colapso anunciado?
Nome dos(as) autores(as): Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos e Luís Fernando Novoa Garzon
Instituição à qual os(as) autores(as) estão vinculados(as): Universidade Federal de Rondônia
Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutora em Relações Internacionais pela UnB; Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ
Região: Norte
Governador (Partido): Marcos Rocha (sem partido)
População: 1.777.225 (est. IBGE, 01/07/2019)
Número de municípios: 52
Casos confirmados em 08/06/2020: 8.626
Óbitos confirmados em 08/06/2020: 245
Casos por 100 mil hab.: 485,36
Óbitos por 100 mil hab.: 13,78
* Por: Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos e Luís Fernando Novoa Garzon
O primeiro caso de confirmação de COVID- 19 em Rondônia ocorreu em 20 de março. Aproximadamente setenta dias depois, a preocupação com o colapso do sistema de saúde acirrava-se. No dia 02 de junho, o secretário da Saúde, Fernando Máximo, informava que 100% dos leitos públicos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) estavam ocupados em Porto Velho, capital do estado. Na rede pública e privada, a previsão era de colapso do sistema nos dias seguintes.
Os sinais de alerta no sistema público de saúde não ocorreram somente a partir do início de junho. Em 24 de abril, a diretoria do principal hospital estadual, o Centro de Medicina Tropical de Rondônia destinado a realizar o tratamento de pacientes com COVID-19, comunicou ter alcançado o ápice de sua capacidade. Há uma tensão entre dimensões da saúde e da economia. Contudo, se há custos econômicos na defesa do confinamento generalizado, a alternativa é enfrentar a pandemia com alto número de mortos [1], cujo primeiro sintoma é o colapso do sistema de saúde.
Em Rondônia, a decisão foi enfrentar a pandemia nos moldes defendidos pelo governo federal. Assim, no dia 14 de maio, com a curva de contágio em ascensão, o governo estadual, em alinhamento com os prefeitos, promulgou o Decreto n° 25.049 [2] que estabelecia 4 fases para a reabertura das atividades, flexibilizando, portanto, o isolamento social. A fase 1 indicava o grau mais rígido de distanciamento enquanto a fase 4, o máximo da flexibilidade. Na promulgação do decreto, as cidades de Porto Velho, Guajará-Mirim e Ariquemes foram classificadas na fase 1 e os demais municípios na fase 3.
De forma não determinista, podemos adotar a data de 14 de maio como um parâmetro para entender a evolução dos casos do novo coronavírus em Rondônia e o alinhamento na coordenação das políticas públicas entre o governador, prefeitos e governo federal. O referido decreto revela uma gestão compartilhada em torno da flexibilização do isolamento social. Em consonância com o governo federal, assume-se a premissa de que a economia deve aproximar-se de uma imagem de normalidade.
Vinte dias antes do decreto eram 290 casos confirmados e 6 óbitos no estado. Já na data do decreto, Rondônia possuía 1686 casos confirmados e 56 óbitos. Vinte dias depois eram 5714 pessoas confirmadas com COVID-19 e 180 mortes [3]. A capital do estado, durante todo o período, concentrou a maior parte dos casos. Entretanto, a partir de 14 de maio os dados indicam um processo de interiorização das notificações por COVID-19. No dia 14 de maio, 76,8% dos casos foram diagnosticados em Porto Velho e eram 33 municípios com confirmação do novo coronavírus. No dia 3 de junho, a capital concentrou em torno de 68,5% das ocorrências, demonstrando uma queda significativa no percentual. Na ocasião, 45 municípios apresentavam casos do SARS-CoV-2.
No período analisado, o número de óbitos, similarmente, centraliza-se na capital, em torno de 70%. Dez dias depois do decreto esse índice diminuiu para 65,2% revelando como as mortes começaram a se espalhar pelo estado. Neste sentido, o município de Guajará-Mirim irrompe com dados alarmantes. Em 14 de maio eram 20 casos confirmados na cidade com 7 óbitos. Vinte dias depois eram 289 casos e 21 mortes.
Na profusão de casos no interior do estado, ocorreu o primeiro lockdown, em Rondônia, na data de 27 de maio, na cidade de São Miguel do Guaporé, em função da contaminação massiva de trabalhadores em unidade processadora de uma grande empresa do ramo frigorífico.
O avanço da COVID-19 atingindo populações tradicionais e indígenas é outra característica da dispersão e interiorização dos casos em Rondônia. É em um cenário de violação sistemática dos direitos territoriais dos povos indígenas que avança a pandemia nas aldeias. A primeira morte de indígena foi registrada em 25 de maio e a segunda em 4 de junho. As duas vítimas eram do povo Karitiana. Há evidências de contaminação nos territórios de diversas outras etnias, sem que haja priorização de testagem nem acompanhamento e atendimento adaptados a suas particularidades culturais e territoriais.
No dia 6 de junho o governo do Estado decretou [4] “isolamento social restritivo” por oito dias, nos municípios de Porto Velho e Candeias do Jamari; promulgou na verdade, um lockdown tardio e incompleto. Tardio porque não houve acréscimo de leitos de UTI na proporção do aumento de pacientes internados por complicações causadas pela COVID 19 na capital do Estado. Incompleto posto que não abarca Guajará-Mirim e Nova Mamoré, municípios com grande incidência do vírus e desprovidos de rede hospitalar compatível.
Diante de um cenário colapsado, o avanço da COVID-19 revela as distorções de representação e as fragilidades técnicas das instituições políticas estaduais. As mensagens permanecem contraditórias sobre os riscos do COVID-19 e sobre quais são as políticas públicas elaboradas para a contenção da pandemia. Com a perspectiva de uma crise infindável, e com sacrifícios incalculáveis, a população enfrenta o medo de um “destino” que na verdade foi construído e poderia ter sido evitado.
Referências bibliográficas:
[1] BLACKMAN, Allen; IBÁÑEZ,Ana Maria; IZQUIERDO, Alejandro; KEEFE, Philip; MOREIRA, Mauricio Mesquita; SCHADY, Norbert; SEREBRISKY, Tomás. (2020). La política pública frente al COVID-19: Recomendaciones para América Latina y el Caribe. Monografía del BID ; 810.
[2] RONDÔNIA. DECRETO N° 25.049, DE 14 DE MAIO DE 2020. Disponível em: <http://www.rondonia.ro.gov.br/publicacao/decreto-n-25-049-de-14-de-maio-de-2020/>. Acesso em 15 mai. 2020.
[3] Os dados sobre número de casos confirmados de COVID-19, óbitos e casos por municípios foram consultados no “Boletim diário sobre coronavírus em Rondônia” disponibilizados no website da Secretaria da Saúde do Estado de Rondônia. Ver: <http://www.rondonia.ro.gov.br/sesau/>
[4] RONDÔNIA. DECRETO N° 25.113, DE 5 DE JUNHO DE 2020. Disponível em: <http://www.rondonia.ro.gov.br/publicacao/decreto-n-25-113-de-5-de-junho-de-2020-isolamento-restritivo/>. Acesso em 6 jun. 2020.