Este é o segundo texto da 5ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de fevereiro na página da ABCP. Acompanhe!
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(In)Feliz ano novo: eleições e pandemia no Rio de Janeiro
Nome das autoras e instituições às quais estão vinculadas: Priscila Riscado (DGP/IEAR/UFF) e Clara Faulhaber (ICICT/Fiocruz)
Titulação: Doutorado/ PPGCP UFF e Mestrado/ PPCIS UERJ
Região: Sudeste
Governador (Partido): Wilson Witzel (PSC)
Vice-governador em exercício (Partido): Cláudio Bonfim de Castro e Silva (PSC)
População: 15,9 milhões de habitantes (dados de 2019)
Número de municípios: 92
Casos confirmados em 06/02/2021: 537.824
Óbitos confirmados em 06/02/2021: 30.596
Data de início do Plano de vacinação: 18/01/2021
Acesse aqui o Plano de vacinação do estado
* Por: Priscila Riscado e Clara Faulhaber
Desde o final de 2020, tanto na cidade quanto no estado do Rio de Janeiro, o crescimento dos casos de contágio e de letalidade por covid-19 é atravessado e potencializado por três comorbidades sociais.
Dentre elas, duas são marcadas por questões políticas institucionais: a) a nível municipal, com uma política sob a orientação do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, de ações voltadas para o “novo normal” (planos de flexibilização do isolamento social); b) a nível estadual, com o processo de impeachment do governador Wilson Witzel. Está afastado do seu cargo, e o vice-governador Cláudio Bonfim de Castro e Silva assumiu interinamente o poder executivo.
Já no cargo, Cláudio Castro assumiu em um contexto de aumento de casos de covid. Tanto na capital, quanto no resto do Brasil. Em que pese a discussão em torno de se estamos em uma segunda onda de contaminação ou uma sobreposição com a primeira que não se encerrou (vide notas, 22 de Nov e 02 de dez) [1], os pesquisadores são unânimes em afirmar a necessidade de medidas urgentes de controle antes que ocorra o colapso do sistema de saúde. Somado a isso, o boletim do Observatório Fiocruz Covid-19 [2] mostra que o Estado do Rio de Janeiro apresentou uma piora expressiva da taxa de letalidade (aumento de 6,4%), baseada na proporção de casos que resultaram em óbitos por covid-19. Esse valor é considerado alto em relação a outros estados (cerca de 2%) e aos padrões mundiais, revelando graves falhas na política de saúde, no sistema de atenção e vigilância em saúde.
Por fim, a última comorbidade: as desigualdades estruturais, espaciais e étnicas. Estas são apresentadas no 2º Boletim Socioepidemiológico Covid-19 nas Favelas [3] elaborado pela Fiocruz. A pesquisa retrata a distribuição diária dos óbitos na capital, no período de 22 de junho a 28 de setembro de 2020, e apresenta correlação direta com os aspectos socio-demográficos da cidade. Em setembro, ocorreu um aumento de 6% dos totais de óbitos do município nos bairros com concentração alta e altíssima de favelas. A justificativa é dada pelo aumento da circulação na cidade, a retomada das atividades econômicas e o retorno de muitos trabalhadores às atividades presenciais.
Se o aumento de casos de contaminação se distribui de modo uniforme por diversos bairros da cidade, as taxas de letalidade por covid-19 é maior nos bairros com população em maior condição de vulnerabilidade. A taxa de mortalidade por covid-19 no município do Rio aponta que as áreas mais pobres da capital são as mais afetadas pelo coronavirus – 50% dos óbitos –, caracterizadas por moradias precarizadas, pouca oferta de serviços públicos e pela falta de políticas públicas de qualidade para a população, ou seja, pela falta de serviços. O mesmo ocorre com a população negra, que representa 48% dos óbitos na cidade do Rio de Janeiro. Ademais, dentre os bairro do Rio, a taxa de mortalidade em todas as tipificações entre a população negra também é maior.
Este cenário, agravado pelo aumento do número de casos nos primeiros vinte dias do ano, resultado das aglomerações e festas de final de ano – segundo especialistas –, traz enormes desafios para o (não tão) novo prefeito recém-eleito: Eduardo Paes.
No dia 9 de janeiro de 2021, o grupo de trabalho multidisciplinar para o Enfrentamento da Covid-19 da UFRJ publicou a estimativa do valor R para a semana Epidemiológica 53/2020 [4], no qual o Covidímetro apontava que a taxa de contágio da doença (taxa R) era, no final do mês de dezembro e início do mês de janeiro de 2021, de 1,24 na cidade do Rio de Janeiro e de 1,27 no estado. A capital e a região do Médio Paraíba – com Volta Redonda e Barra do Piraí – apresentaram a maior taxa R – de 1,59. De acordo com os especialistas, o ideal é que fique abaixo de 1, para reduzir a possibilidade de novas infecções. Como política pública, a recomendação diante deste dado é que as autoridades voltem a analisar a possibilidade de novo lockdown no estado – medida já descartada pelo governo do estado e da capital.
Nesse contexto, a resposta dada pelo prefeito da capital foi um novo plano de combate à covid-19 juntamente com o estado e o governo federal. Dentre as medidas, estão a vacinação da população, a abertura de novos leitos de internação, a ampliação da testagem e a ativação do Centro de Operações de Emergências em Saúde – COE COVID-19 RIO, além do aplicativo para que as pessoas possam fazer a autonotificação de casos. No dia 12 de janeiro saiu uma resolução conjunta [5] com novas regras de enfretamento da covid-19 no município. Com relação ao comércio, principalmente bares, casas noturnas e outros, o prefeito afirmou que ocorrerá uma fiscalização por amostragem, isto é, serão escolhidos alguns pontos e lugares para ocorrer essa fiscalização.
Nesse mar de incertezas, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou no domingo, 17 de janeiro, o uso emergencial de duas vacinas, que estavam em desenvolvimento no país pela Fiocruz em parceria com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca, e a vacina CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac. O estado do Rio recebeu 487.520 doses do imunizante. A capital recebeu 231.840 doses.
Com isso, o plano de vacinação contra covid-19 [6] da capital fluminense foi apresentado no dia 18 de janeiro. O plano foi dividido em fases, buscando contemplar os chamados “grupos prioritários”. A chamada Fase 1 contempla os trabalhadores de saúde que atendem diretamente pacientes com covid-19 e aqueles que estarão envolvidos na campanha de vacinação. Também serão priorizados idosos e pessoas com deficiência que vivem em instituições de longa permanência, além dos trabalhadores desses estabelecimentos. As outras fases da vacinação, voltadas a outros grupos prioritários definidos pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, serão realizadas conforme novas remessas de vacina forem recebidas na cidade.
A vacinação do estado teve início na capital, no dia 18 de janeiro de 2021. Na fase inicial da vacinação já foram relatados casos em que alguns idosos do grupo da fase 1 e profissionais de saúde se recusaram a receber a aplicação das doses da vacina CoronaVac. Sendo assim, a prefeitura declarou a necessidade de iniciar uma forte campanha de vacinação, uma vez que o governo federal ainda não se pronunciou a respeito. Mesmo com a chegada da vacina, o primeiro Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz de 2021 [7] aponta que o cenário ainda é preocupante.
Da perspectiva do cenário nacional, as primeiras semanas epidemiológicas do ano apontam que nenhum estado apresentou tendência de queda de incidência ou mortalidade de covid-19. O Rio de Janeiro assim como outros estados apresentaram tendência de aumento de mortalidade nas últimas semanas de janeiro e inclusive a taxa de letalidade permanece alta desde o final do ano de 2020 – sendo atualmente da capital de 4,7%. O Rio de janeiro passou a ocupar a liderança das mortes por covid-19 no país [8]. A cidade do Rio tem 6,7 milhões de habitantes – pouco mais da metade dos habitantes de São Paulo, município mais populosos do país. No entanto, a capital fluminense chegou a 17.535 óbitos, contra 17.491 da capital paulista. Com relação a ocupação de leitos UTI para covid-19, no final de 2020 a situação foi tão crítica que a rede municipal chegou a ter 99% de ocupação de leitos exclusivos para coronavírus e 92% na rede SUS; já no estado, fila de 216 pessoas para UTI e 86% ocupadas. Atualmente o estado do Rio de Janeiro aparece com 61,8% e a capital com 80% de leitos UTI.
Por fim, a Fiocruz publicou um estudo [9] no periódico The Lancet Respiratory Medicine analisando os casos de covid-19 de pessoas hospitalizadas maiores de 20 anos no Brasil no período de 16 de fevereiro a 15 de agosto de 2020. Para além dos dados de internação, essa pesquisa mostra que as diferenças regionais de mortalidade intra-hospitalares são congruentes com as desigualdades regionais que já existiram anteriormente da pandemia no Brasil e que foram por ela aprofundados.
Os pesquisadores da Fiocruz apontam que a vacina é um marco na luta contra a pandemia, porém ainda tem um longo caminho a ser percorrido até alcançar uma cobertura vacinal significativa, além dos desafios para reduzir a transmissão, aumento do número de casos e óbitos. O Rio de Janeiro registra em 06 de fevereiro de 2021 o total de 537.824 casos confirmados de covid-19, 30.596 óbitos por covid-19. Além dos desafios sanitários, o estado do Rio precisará enfrentar ao longo de 2021 os desafios relacionados ao retorno da crise da água (ou crise da geosmina) e a crise fiscal, que se agravou ao longo de 2020 e não apresenta sinais de recrudescimento em 2021.
Referências bibliográficas:
[1] Ver mais em: SCORZA, F. A et al. Nota técnica – 22/11/2020: Situação da Pandemia de Covid-19 no Brasil .
Disponível em https://central3.to.gov.br/arquivo/540663/#:~:text=A%20partir%20de%20junho%20o,data%20cerca%20de%206.023.000 Acesso em: 27 de jan de 2021.
Disponível em: https://conexao.ufrj.br/2020/12/02/novo-pico-da-covid-19-alerta-especialistas/ Acesso em: 27 de jan de 2021.
[2] Para saber mais, ver: Boletim aponta alta no número de casos e óbitos por Covid-19 (fiocruz.br). Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/boletim-aponta-alta-no-numero-de-casos-e-obitos-por-covid-19 . Acesso em: 27 de jan de 2021.
[3] Ver mais em: ANGELO, Jussara Rafael et al. 2. Boletim socioepidemiológico da COVID-19 nas Favelas: análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por COVID-19 em favelas cariocas. 2020. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_final.pdf . Acesso em.
[4] Disponível em: https://coronavirus.ufrj.br/wp-content/uploads/sites/5/2021/01/notatecnicaR_35_base08012021.pdf Acesso em: 27 de jan de 2021.
[5] Resolução Conjunta nº 01 de 12 de janeiro de 2021. Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2021/01/13/resoluo.pdf?_ga=2.74703445.692185334.1610905164-6dc7d2fb-34a3-c792-d56f-d1f66342a531 Acesso em: 27 de jan de 2021.
[6] Disponível em: https://prefeitura.rio/cidade/prefeitura-apresenta-plano-de-vacinacao-contra-a-covid-19/ Acesso em: 27 de jan de 2021.
[7] Para saber mais, ver: Boletim Observatório Covid-19 Semanas Epidemiológicas 1 e 2 semana 3 a 16 de janeiro de 2021; Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid-2021_semana_01-02_1_0.pdf . Acesso em: 27 de jan de 2021.
[8] Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/02/04/rio-passa-sao-paulo-e-e-a-cidade-com-mais-mortes-por-covid-19-do-pais.ghtml
[9] Para saber mais, ver: RANZANI, Otavio T. et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. The Lancet Respiratory Medicine, 2021. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(20)30560-9/fulltext Acesso: 27 de jan de 2021.