Este é o décimo nono texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o décimo nono texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
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Reabrir é preciso, viver não é preciso? A retomada da economia no Rio Grande do Norte durante a pandemia
Nome da autora e instituição a que está vinculada: Sandra Gomes (Departamento de Políticas Públicas – UFRN)
Titulação da autora e instituição em que a obteve: Doutora em Ciência Política (USP)
Região: Nordeste
Governador (Partido): Fátima Bezerra (PT)
População: 3.506.853 (est. 2019)
Número de municípios: 167
Data do registro do primeiro caso no estado: 13 de março de 2020
Data do primeiro óbito no estado: 28 de março de 2020
Casos confirmados em 25/08/2020: 60.161
Óbitos confirmados em 25/08/2020: 2.192
Casos por 100 mil hab.: 1.723,5
Óbitos por 100 mil hab.: 63,16
Decreto estadual em vigor no dia 23/08/2020: Decreto N° 29.794, de 30 de junho
Índice de isolamento social no estado: 37,1%
* Por: Sandra Gomes
Ao final de agosto de 2020, a situação epidemiológica do Rio Grande do Norte (RN) havia se alterado substantivamente desde a última publicação neste boletim da ABCP. De uma taxa de ocupação de leitos públicos para covid-19 de quase 100% no mês de maio, ao final de julho, tal taxa havia caído para 67% e para 56% praticamente um mês depois, isto é, em 25 de agosto de 2020. As medidas de leitos são consideradas, por diversos governos, como um indicador relevante para as decisões de manutenção ou aprofundamento do isolamento social assim como para a intenção de reabertura ou retomada das atividades econômicas, ainda que parcial.
De fato, o governo do estado do RN deixa clara sua intenção de ter um plano de retomada econômica local desde o mês de maio, mesmo estando longe dos picos de casos e óbitos do estado, que só ocorreriam em junho. Como já detalhamos em texto anterior publicado aqui no portal da ABCP, o chamado “Plano de Retomada Gradual da Economia” foi apresentado no dia 5 de maio ao Comitê Científico do Rio Grande do Norte pela Federação das Indústrias do Estado (FIERN) e outras associações do setor produtivo como Fecomercio, Fetronor, Faern, assim como o Sebrae, isto é, pelas grandes associações representativas de empresários no estado. Como estes anunciavam, se nenhuma medida de retomada da economia no estado fosse tomada, o RN teria um verdadeiro “colapso econômico”.
Em breve síntese – ainda por ser plenamente estudado –, pode-se dizer que tanto a pressão do empresariado por uma estratégia de reabertura econômica quanto a própria necessidade de financiamento por meio de arrecadação tributária do governo do Estado explicam a adoção de um plano de reabertura mesmo antes de qualquer sinal de queda ou estabilidade da infecção no RN.
No momento atual (final de agosto de 2020), há diversas atividades que já retornaram, com restrições e exigências rígidas de protocolos sanitários, ainda que parcamente fiscalizadas. A maior discussão, em andamento, é o retorno presencial ou não das aulas, com especial pressão das associações representativas das escolas privadas e dos pais de alunos dessas escolas. Além do argumento da falência econômica, os próprios pais temem que, sob pressão de retornar ao trabalho, não tenham com quem deixar os seus filhos. Tal contenda ainda está em litígio.
Por outro lado, a disputa entre “quem abre primeiro a economia” entre governo estadual e os prefeitos das cidades de maior porte populacional permanece em ação assim como já havíamos apontado em texto anterior. De fato, uma das primeiras medidas de “flexibilização” adotada pelo governo do estado e o governo de Natal, ao final de julho, gera uma corrida da população às praias, com aglomerações e pessoas sem máscara (de uso obrigatório) chocando a opinião pública local.
As farpas entre governo do Estado e prefeitura do Natal – de campos políticos rivais – foram bem aproveitadas. A governadora publica vídeo em que diz ser inaceitável ver as cenas de aglomeração nas praias de Natal e que essa fiscalização é de competência – e, portanto, responsabilidade – do governo municipal. O prefeito, por sua vez, reforça sua indignação com o episódio e, em seguida, emite novas regulamentações para maior fiscalização nas praias de Natal. Outros episódios de aglomeração em bares de Natal – após liberação controlada pela Prefeitura do Natal – serão, novamente, registrados pela mídia local.
Duas questões são curiosas nesse episódio. Primeiro, o avanço das fases graduais de reabertura de atividades econômicas – tanto pelo governo estadual quanto pelo municipal –claramente deu um sinal à população de que o pior já teria passado. A ineficiente capacidade de comunicação dos governos associada a um certo cansaço (ou descaso) da população com relação ao seguimento das regras de isolamento e distanciamento social certamente contribuíram para a sensação de volta à normalidade. Em segundo lugar, é curiosa a pressa em reabrir. As medidas de reabertura econômica são tomadas mesmo quando a taxa de ocupação de leitos críticos na região metropolitana de Natal ainda está num patamar muito elevado, acima de 85%.
Por outro lado, ao final de julho, os dados epidemiológicos começam a dar mostras de possível diminuição da incidência e óbitos em algumas regiões de saúde do RN. Como se observa na Figura 1, até o momento, parece haver uma tendência de queda ou arrefecimento de óbitos no estado, ainda em observação.
Não se sabe bem as causas que explicariam tal queda. Há quem avente o uso preventivo de medicação como a ivermectina ou hidroxicloroquina como argumenta o prefeito de Natal; o uso de máscaras, que pode ter interrompido a velocidade da transmissão ou, ainda, uma possível imunidade ampliada após os elevados casos de contaminação e óbitos que atingiram seus respectivos picos em junho de 2020. De qualquer modo, os efeitos das aglomerações registradas pelas mídias locais na produção de novos casos de infecção ainda serão observados nas próximas semanas.
O comitê científico do governo estadual faz uma análise preliminar, em meados de julho, indicando essa possibilidade, mas com vários apontamentos de cautela. Isto porque, apesar do pico de casos no estado ter ocorrido no dia 9 de junho, momento a partir do qual começa a desacelerar, novos picos ainda iriam ocorrer no início de julho, ou seja, quase um mês depois. Com relação aos óbitos, estes atingem seu pico em 22 de junho e, a partir de então, observa-se queda continuada no número de registros, mas não em todas as regiões de saúde do estado.
É por conta dessa “estabilidade não plenamente verificada” que o comitê recomenda à governadora adiar o início da nova fase de reabertura controlada de atividades, por outros sete dias. Como forma de monitorar a situação, o comitê passa a recomendar que todas as fases seguintes do plano de retomada econômica tenham um intervalo mínimo de 15 dias para que se possa, de modo mais adequado, mensurar os impactos de cada momento de reabertura nas taxas de infecção.
Mas, como em outros estados, há variação interna quanto à situação epidemiológica. Como se observa no Mapa 1, em termos de números absolutos de óbitos confirmados por covid-19, as maiores concentrações estão nas regiões mais adensadas em termos populacionais.
As maiores incidências estão à Leste, nos municípios que compõem a região metropolitana de Natal, e à Noroeste, nos municípios do entorno de Mossoró, segunda maior cidade do Estado.
Natal, a capital, registrou o primeiro caso em 13 de março de 2020. Mossoró, por outro lado, é o local onde se confirmam as primeiras mortes em 28 de março de 2020, isto é, 15 dias depois do primeiro caso no Estado. Ainda assim, é possível observar no Mapa 1, a partir dos pontos (círculos) em destaque, que mostram a quantidade de óbitos, que a ocorrência de mortes já estava espraiada para praticamente todos os municípios do Estado ao final de julho de 2020. Essa tendência de interiorização da doença fica evidente a partir do final de abril, como já destacamos em texto anterior publicado aqui no portal da ABCP.
Outra maneira de se observar tanto a incidência de casos quanto óbitos é agregar as informações por região de saúde. Essas divisões administrativas são relevantes para a política de saúde pública na medida em que parte significativa dos serviços de saúde, especialmente os de média e alta complexidade, devem (ou deveriam) ser ofertados em termos regionais ou regionalizados de modo a se ter um sistema de serviços capaz de fazer o atendimento de toda a população do Estado.
Como se vê a partir da Figura 2, a incidência de casos ocorre em todas as oito regiões de saúde do estado, porém de modo mais intenso (taxa por 100 mil habitantes em 25 de agosto de 2020) na região de saúde de Natal e na de Mossoró.
Por outro lado, quando se analisa óbitos (Figura 3), o cenário é ligeiramente diferente, isto é, as diferenças de taxa de mortalidade por covid-19 entre as regiões são distintas do padrão de incidência da doença. No caso das mortes, vê-se que outras regiões de saúde têm taxas tão elevadas quanto as duas maiores do estado, como é o caso da região do Açu, vizinha a Mossoró.
De fato, o cenário atual revela que as regiões em situação mais crítica ainda estão no interior, nas regiões que fazem divisa com o Ceará – como a região de Saúde de Mossoró – e na região do Açu. Em alguns municípios dessas regiões a taxa de óbitos por covid-19 está bem acima da média estadual (de 62,5 por mil habitantes), como nos casos de Areia Branca (176,4), cidade de Açu (89,6) ou mesmo Mossoró (71,1).
Mas é ainda curioso que, mesmo Natal tendo apresentando melhoras nos indicadores de taxa de ocupação de leitos críticos para covid-19 e que o índice de transmissibilidade (contaminação) tenha caído significativamente, a taxa de mortalidade no município ainda permanece acima da média estadual, em 106,0, valores mais altos, inclusive, que alguns dos municípios citados anteriormente. Junto a outros municípios vizinhos, permanecem elevados e preocupantes índices de mortalidade em cidades como Extremoz (105,0), São Gonçalo do Amarante (74,0) dentre outros. Os únicos dois municípios do entorno da cidade do Natal que têm apresentado mortalidade abaixo da média estadual são Parnamirim (54,3) e Nísia Floresta (18,1).
No momento atual, em suma, a situação epidemiológica parece estar em estabilização em algumas localidades do RN, ainda que a capacidade de testagem ainda seja insuficiente para esclarecer, por exemplo, os quase 53 mil casos de infecção por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) sem especificação e, portanto, com resultados inconclusivos se são ou não casos de covid-19. Se levarmos em conta que este número é bastante próximo ao total de casos por covid-19 já confirmados no Estado (60 mil), não parece haver indicações de que a tendência observada de queda, de fato, permaneça assim se ou quando esses casos inclusos forem testados.
Um problema crítico e sem solução à vista é a baixa taxa de isolamento social no RN, a menor do Nordeste, por volta de 38% no último mês de acordo com as estimativas do LAIS/UFRN. Mas, ainda assim, a taxa de Transmissibilidade (Taxa Rt) – uma estimativa de quantas pessoas podem ser infectadas a partir de uma pessoa doente – estava em 0,87, isto é, em uma situação de relativo controle da epidemia (LAIS/UFRN). Ainda assim, o comitê científico do Estado do RN permanece compreendendo que o monitoramento preciso da situação é crucial para saber se, de fato, esses indicadores confirmam uma queda da contaminação ou se, na verdade, a insuficiente testagem em massa pode estar ocultando a real situação do Estado.