Este é o vigésimo primeiro texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o vigésimo primeiro texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!
As Ações de Pernambuco no Enfrentamento à Pandemia: rumo à abertura controlada, mas a que custo?
Nome da autora e instituição a que está vinculada: Mariana Batista (Universidade Federal de Pernambuco)
Titulação da autora e instituição em que a obteve: Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco
Região: Nordeste
Governador (Partido): Paulo Câmara (PSB)
População: 9.557.071
Número de municípios: 184
Casos confirmados em 09/06/2020: 41.010
Óbitos confirmados em 09/06/2020: 3.453
Casos por 100 mil hab.: 429.106
Óbitos por 100 mil hab.: 36.130
* Por: Mariana Batista
Pernambuco é um dos estados onde o enfrentamento à pandemia se deu com relativa coesão interna quanto ao rumo a ser tomado. As ações foram implementadas cedo e de forma clara e coordenada entre o governo estadual e os governos municipais. A liderança das decisões foi do governo estadual que, devido a dominância política no estado, não enfrentou maiores conflitos políticos.
O primeiro caso de Covid-19 foi observado no estado no dia 12 de março e logo depois as primeiras ações de fechamento e isolamento social foram implementadas. Eventos de grande porte foram proibidos e o controle de passageiros realizado já a partir do dia 14 de março. As aulas foram interrompidas no dia 18 e o comércio e serviços não-essenciais fechados no dia 22.
O efeito imediato dessas ações foi o aumento do isolamento social. No dia 17 de março, o índice de isolamento social foi de 33,4%. No dia 23 de março, primeiro dia útil após o fechamento do comércio, o índice de isolamento social foi de 54,1%. O estado manteve-se com a média em torno de 50%, sendo um dos estados do país com melhores resultados nesse aspecto.
Contudo, o índice de isolamento nunca se aproximou dos 70% recomendados para o controle da transmissão de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Com o objetivo de aumentar esses números e efetivamente controlar o avanço da doença no estado, o governo implementou em 16 de maio uma forma de quarentena ou de isolamento social mais restrito.
Nessa “quarentena”, o estado ficaria com restrição de circulação por 15 dias. As pessoas só poderiam circular nas ruas em situações de real necessidade e os carros foram impedidos de circular. Além disso, aqueles que precisassem sair para serviços essenciais, como supermercados e farmácias, enfrentariam restrições de ocupação e de estacionamento e os carros só poderiam circular em dias alternados.
O “lockdown” gerou um incremento no isolamento social, com o índice de isolamento de 53,9% no dia 16 de maio. Índices acima de 60% foram observados no estado, mas sempre aos domingos quando a circulação de pessoas é normalmente menor. Esses números, entretanto, baixaram nos dias seguintes, com índices de isolamento abaixo dos 50% frequentemente. A explicação para essa baixa adesão ao isolamento social é complexa. Contudo, alguns pontos merecem ser ressaltados.
Primeiro, mesmo havendo um discurso unificado no estado no sentido do isolamento social como a única arma contra o coronavírus, as informações que vem de fora são completamente discrepantes. O discurso dissonante do Presidente da República e a falta de ação do governo federal dificultam o entendimento claro da população que vê a perda da renda como um custo concreto e imediato, enquanto o vírus como uma possibilidade remota.
Segundo, as políticas de assistência social no estado foram mínimas, concentrando toda a atenção no auxílio emergencial. Como manter as pessoas em casa num estado com grande pobreza e vulnerabilidade social? Terceiro, as denúncias de possíveis irregularidades nos contratos de compras referentes ao combate ao coronavírus podem ter afetado a legitimidade do estado e suas ações perante parcela da população.
Por último, e isso não é algo específico de Pernambuco, mas do Brasil inteiro, parece estar havendo uma certa naturalização da morte por Covid-19. Pode então ocorrer com a Covid-19 o mesmo que acontece com as taxas de homicídios no país, que assustam qualquer observador externo, mas que se tornaram normais para o brasileiro.
O que fazer, então? A opção do governo do estado foi a de proceder rumo à abertura controlada do estado, mantendo as principais ações de isolamento social implementadas anteriormente ao período de maior restrição da quarentena. O plano, que foi chamado de forma bastante conveniente de “Plano de Convivência das Atividades Econômicas com a Covid-19”, é moderado e dividido em quatro níveis e somente o quarto nível teve datas definidas.
Os demais níveis serão pensados de acordo com os resultados observados. Nessa primeira fase de reabertura, o comércio e serviços não-essenciais começam a funcionar, mas em esquema de entrega ou retirada. Progressivamente haverá abertura para o público, mas ainda com controle de ocupação e implementação de protocolos para limitar a transmissão.
Como pode ser visto, o plano de reabertura econômica do estado é bastante contido e as ações mostram preocupação com os resultados observados. Não se trata, portanto, de uma liberação total num contexto de pandemia. Contudo, não deixa de ser importante notar que não há muitas razões científicas fortes para embasar a abertura.
A OMS recomenda que a abertura seja feita quando a transmissão da Covid-19 esteja controlada e o sistema de saúde esteja preparado para identificar, testar e tratar os casos. Considerando a primeira recomendação, o governo vem utilizando a justificativa de que a taxa de contágio abaixo de 1 sugere a estabilização da doença no estado. Outro resultado positivo ressaltado é a progressiva diminuição de novos casos nos últimos quatro dias, saindo de 1004 no dia 5 de junho para 305 novos casos no dia 9 de junho. Contudo, as curvas de casos confirmados e de mortes ainda são ascendentes.
Sobre a segunda recomendação, no Brasil se testa muito pouco de forma geral. Além disso, o sistema de saúde de Pernambuco ainda está em perigo. O governo do estado noticiou o fato de a fila por UTI no estado ter sido zerada, mas a taxa de ocupação de leitos ainda é de 98%.
Dessa forma, a reabertura parece uma aposta arriscada. Contudo, vale lembrar que ações de isolamento social ainda permanecem em vigor, o escopo proposto pelo plano é bastante restrito e a progressão das fases parece ser orientada pelos resultados observados. Quão acertada é essa aposta e os custos da reabertura poderão ser observados nas próximas semanas.