Este é o primeiro texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
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Paraná: cinco meses de pandemia
Nome dos(as) autores(as) e respectivas instituições às quais estão vinculados(as):
Rodrigo Rossi Horochovski (UFPR); Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda (UNILA); e Maiane Bittencourt (UFPR)
Titulação dos autores e instituição em que a obteve: Rodrigo Rossi Horochovski – Doutor em Sociologia Política – (UFSC); Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda – Doutor em Ciência Política (UFF); e Maiane Bittencourt – Mestranda em Ciência Política (UFPR)
Região: Sul
Governador (Partido): Ratinho Junior (PSD)
População: 11.433.957 (est. IBGE, 01/07/2019)
Número de municípios: 399
Data do registro do primeiro caso no estado: 12/03/2020
Data do primeiro óbito no estado: 23/03/2020
Casos confirmados em 21/08/2020: 122.245
Óbitos confirmados em 21/08/2020: 2.891
Casos por 100 mil hab.: 982
Óbitos por 100 mil hab.: 25,28
Decreto estadual em vigor no dia 23/08/2020: 4230/2020 (disponível aqui)
Indice de isolamento social no estado: 40,5%
* Por: Rodrigo Rossi Horochovski; Luiz Fernando Vasconcellos de Miranda e Maiane Bittencourt
O estado do Paraná foi um dos últimos a ver o crescimento de casos e óbitos por covid-19 se acelerar. Quando se observam as curvas de casos e óbitos nota-se que, a partir do dia 5 de abril, há um crescimento acentuado da curva até cerca do dia 15 do mesmo mês, quando ela perde força. Esses dias não foram suficientes para fazer o número absoluto de casos crescer significativamente no período. A partir daquele momento, o Paraná passa a ter uma curva mais suavizada, que vem crescendo em escala logarítmica com tendência a suavização paulatina.
A reação inicial do governo do estado frente à pandemia foi quase de todo positiva. Pôde-se ver o governo emitir uma série de decretos para regular o isolamento social, bem como se utilizar de algumas de suas empresas estatais – por exemplo, de saneamento (Sanepar), de energia (Copel) e de habitação (Cohapar) para oferecer tarifas sociais e até suspensão de cobranças de financiamento. Ratinho Junior (PSD) também se esforçou para aumentar o número de leitos de enfermaria e de UTIs, uma das necessidades urgentes de combate à covid daquele momento. Vimos, portanto, um aumento da infraestrutura hospitalar do estado.
É também naquele momento que surgem as pressões empresariais para a diminuição das regras de isolamento, ou mesmo sua suspensão. A reação do Palácio Iguaçu foi a de sentar para negociar com os vários ramos empresariais e ofertar compensações com perdas de arrecadação, suspensão de dívidas e prorrogação de prazos de precatórios. Esta disputa por interesses divergentes, a qual ainda tem embates atualmente, teve como desfecho parcial, em abril, a decisão do governador Ratinho Junior de delegar a palavra final sobre o isolamento social às prefeituras, essas muito mais sensíveis a pressões empresariais locais e regionais.
No mês de maio ainda encontramos o estado numa situação de relativo controle sobre a doença. O número de casos e óbitos vinha subindo, mas o Paraná era um dos estados menos afetados pela covid. Até o dia 16 de maio havia uma tendência de achatamento ligeiro da curva e, depois, um ritmo de crescimento um pouco alto, mas o estado ainda apresentava números absolutos pequenos (pouco mais de dois mil casos e 200 mortes registradas).
Um dado que poderia estar camuflando esse cenário seria a baixa testagem entre a população. Não somente o estado do Paraná, o Brasil como um todo carecia de verificação do nível de contágio entre a população. A ideia de uma testagem em massa vem com o princípio sanitário que, conjugado com o isolamento social, permitiria identificar mais precisamente os infectados para, num segundo momento, rastrear os contatos destas pessoas e isolar os outros infectados.
Assim, se conseguiria fazer uma reabertura segura e a economia e a vida social poderiam se restabelecer sob um nível controlado. Isto foi exatamente o que não fizemos. A testagem continua baixa no Paraná e nos outros estados brasileiros. O que podemos afirmar sobre esse período é que o Paraná provavelmente se beneficiou dos decretos sanitários assinados pelo governador até meados de abril. O que começa a acontecer, naquele momento, mas que só se verá com mais força no mês de julho é um turning point. Se o estado vinha se beneficiando de medidas sanitárias adequadas, com o fim de uma política um pouco mais austera de controle do isolamento social e as reaberturas precoces de alguns dos municípios, vira o jogo da pandemia que o estado parecia estar ganhando.
O mês de junho consolida a tendência de crescimento de casos e óbitos no estado do Paraná, tendência observada em todos os estados da Região Sul e em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na Região Centro-Oeste. A impressão que se tem é a de que, em se tratando exclusivamente do Paraná, a força para manter as medidas sanitárias corretas se esgotou e o que passamos a ver é um cenário em que as recomendações da OMS não são cumpridas [1]. Abaixo encontram-se os mapas dos casos e óbitos confirmados por covid-19, no dia 24 de julho. Eles começam a retratar parte dessa reversão de cenário.
O que já é possível verificar, numa análise inicial dos mapas, é que a pandemia já havia se espalhado por boa parte dos municípios do estado, mas se concentrava, principalmente, na região litorânea, metropolitana, norte e oeste. Estes dados parecem corroborar, por sua vez, o mapa sobre ‘Vetores Rodoviários da covid-19 no estado do Paraná’, que mostra como os eixos rodoviários são fortes fatores explicativos para a propagação do vírus [2]. Se seguirmos nossa análise e compararmos o Paraná com os outros estados da federação veremos, entretanto, que o número absoluto de casos e óbitos, e números proporcionais por cem mil, continua relativamente baixo.
Malgrado não temos ainda uma resposta de por que o Paraná, mesmo alavancando o número de casos e óbitos, não tem curvas tão acentuadas quanto a de outros estados, sabemos que as medidas sanitárias previamente tomadas provavelmente retardaram a subida das curvas. E, uma vez que os casos e óbitos permaneçam crescendo em escala logarítmica, faz-se necessário dar atenção redobrada ao problema. O que nos cabe perguntar, neste momento, ainda que só tenhamos algumas pistas, é por que os agentes políticos, nomeadamente governador e prefeitos, sabedores da necessidade de um isolamento social mais rígido, cederam às pressões econômicas. Dito isto, podemos apresentar as curvas atualizadas de casos e óbitos, em escala logarítmica, no estado do Paraná.
Apesar de vermos pequenas oscilações de crescimento, ora com maior angulação, ora com menor, nos encontramos num momento da pandemia no estado em que não é possível afirmar se seguiremos crescendo em casos e óbitos ou se a quantidade de pessoas contaminadas que desenvolveram anticorpos, somada a uma parcela da população que é naturalmente imune à doença, já teria construído uma barreira natural de imunidade.
O que nos parece preocupante é o fato da descoordenação política entre governo federal, governo do Paraná e prefeituras resultar numa cessão aos interesses econômicos sobre os interesses de saúde coletiva. Ao contrário, não nos parece que interesses econômicos e interesses sanitários sejam, de fato, divergentes. Análises preliminares indicam que a arrecadação estadual está negativamente associada ao número de casos [3]. Este dado empírico tem respaldo num raciocínio econômico pelo qual se deduz que o aumento de casos conduz a um desaquecimento do mercado de trabalho, da produção e da renda, e que pode conduzir a uma recessão econômica caso a pandemia não seja contida.
Uma vez que política e economia, na prática, são indissociáveis, a questão do momento é a reabertura das escolas. Já que pais e mães de alunos precisam retornar aos seus trabalhos, ou simplesmente ter um espaço para trabalhar e que as escolas privadas se veem em risco de fecharem suas portas por abandono de seus alunos, começamos a ver um movimento de articulação que visa ao retorno das aulas presenciais. É claro que a economia não pode ficar indefinidamente estacionada e que quanto mais parada maior a chance de uma grande recessão.
Isto é um fato inegável. Com esta justificativa não se deve, entretanto, fazer movimentos de reabertura sem amparo científico. O que vemos na prática é que a ansiedade do governo federal, de setores econômicos e de uma parcela da população para voltar a uma normalidade, inviável diga-se de passagem, tem-nos imposto, na prática, uma pandemia mais alongada do que se tivéssemos imprimido uma quarentena mais dura de dois meses quando o cononavírus aterrissou no Brasil.
Referências bibliográficas:
[1] Maiores detalhes em: PATHERICK, Anna; GOLDSZMIDT, Rafael; KIRA, Beatriz; BARBERIA, Lorena (2020). ‘As medidas governamentais adotadas em resposta ao Covid-19 no Brasil atendem aos critérios da OMS para flexibilização de restrições?’ BSG Working Papper Series.
[2] Maiores detalhes em: MONTEIRO, Ricardo; ANGELOTTI, Rangel; LAUTERT, Luiz Fernando; ANGELIN, Paulo Eduardo e PORTES, João (2020). “Rodovírus” ou “Caronavírus”? Mapas da Distribuição do Covid-19 na Região Sul do Brasil: Indícios da contaminação por rodovias. Confins. Revue franco-brésilienne de géographie/Revista franco-brasilera de geografia, (45). Disponível em: <https://journals.openedition.org/confins/28246>. Acesso em 22/08/2020.
[3] Maiores detalhes em: FERNANDEZ, Michelle; BERTHOLINI, Frederico; SANTANA, Luciana; PEDROZA, Marcos, PEREIRA, Letícia (2020). “Estados diante da pandemia de covid-19: uma dioscussão sobre distanciamento social e baixa arrecadação”. Jota, 19 de agosto. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/estados-diante-da-pandemia-de-covid-19-19082020?fbclid=IwAR2DdAqbQVDK-ymbPHinxRGsVqZvFgOlA6Fpzn0vgFnK0JE7Iu0PfzJTZEs>. Acesso em 22/08/20.