Este é o décimo primeiro texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!
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Distrito Federal: reabertura a qualquer preço
Nome da autora e instituição à qual está vinculada: Michelle Fernandez, Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL/UnB)
Titulação: Doutora em Ciência Política pela Universidade de Salamanca
Região: Centro-oeste
Governador (Partido): Ibaneis Rocha (MDB)
População: 3 milhões e 15 mil habitantes
Casos confirmados em 13/07/2020: 72.284
Óbitos confirmados em 13/07/2020: 930
Casos por 100 mil hab.: 2.397
Óbitos por 100 mil hab.: 30,84
* Por: Michelle Fernandez
O Distrito Federal, que é dividido em 31 regiões administrativas, teve o seu primeiro caso confirmado de COVID-19 em 5 de março. Nas primeiras semanas da pandemia no DF, os casos se concentravam no Plano Piloto e no Lago Sul.
Com o passar do tempo, o perfil das pessoas infectadas foi mudando e o coronavírus passou a estar mais presente na periferia da capital federal. Hoje, o perfil da maioria das pessoas infectadas por coronavírus no Distrito Federal é mulher (52,6% dos casos), entre 30 e 39 anos (27,1% dos casos) e moradora da Ceilândia (12,6% dos casos).
Entre as pessoas que morrem por COVID-19 no DF, cerca de 60% são homens, mais de 73% são maiores de 60 anos e 19% são moradores da Ceilândia. Em 13 de julho, já chegamos a mais de 70 mil infectados e quase mil mortos. Nas últimas 24 horas, foram 1.572 casos e 28 óbitos. Esse é o retrato de uma epidemia ainda sem controle.
Para entender como chegamos até aqui é fundamental conhecer os caminhos escolhidos pelo Governo do Distrito Federal para enfrentar a crise sanitária. A atuação do GDF no enfrentamento da pandemia de COVID-19 foi considerada, em um primeiro momento, atenta e cuidadosa com a situação delicada que acomete a capital federal.
Em 28 de fevereiro o GDF declarou situação de emergência de saúde pública e, em 11 de março, decretou as primeiras medidas de enfrentamento à pandemia, incluindo suspensão das aulas em escolas e universidades e limitação de aglomeração de pessoas em diversos tipos de situação.
Porém, já no mês de abril, poucas semanas depois do estabelecimento das medidas de distanciamento social, o Governo do DF já possibilitou as primeiras ações de relaxamento dessas medidas até chegar à situação que temos nos dias de hoje: liberação de reabertura total por meio do Decreto 40.939, de 02 de julho de 2020.
As medidas de distanciamento social sofreram fortes investidas contrárias à sua permanência, sobretudo pelo empresariado do DF e pelo discurso do governo federal, principalmente externado pelo presidente da República. Nesse contexto, a partir de 07 de abril tivemos uma série de medidas de reabertura.
São elas: retorno de atividades bancárias (07 de abril); retorno do setor moveleiro, de eletrodomésticos e do Sistema S (09 de abril); retorno de lojas de calçados e de roupas (16 de abril); retorno de profissionais autônomos (22 de abril); retorno de comércio varejista, incluindo shoppings, e de toda indústria (24 de maio); reabertura dos parques públicos (30 de maio); funcionamento de feiras e afins (14 de junho); abertura de salões de beleza, barbearia, academias de esportes de todas as modalidades (7 de julho); funcionamento de bares e restaurantes (15 de julho); retorno de atividades de escolas, universidades e faculdades privadas (27 de julho); e reabertura de escolas, universidades e faculdades públicas (3 de agosto).
Uma questão que preocupa nas decisões tomadas pelo GDF é a definição do calendário de reabertura independente da condição epidemiológica do Distrito Federal no momento da retomada. Prova disso é que há datas de retorno de atividades previamente definidas.
O Distrito Federal vem passando, portanto, por um processo intenso e inadequado de reabertura dadas as condições de avanço da epidemia. Podemos definir esse processo como inadequado porque, por um lado, não há evidências que indiquem um controle da crise sanitária no DF e, por outro lado, temos um sistema de saúde no Distrito Federal com claros sinais do seu colapso.
Para considerarmos a epidemia controlada são necessários pelo menos 14 dias seguidos de queda no número de mortes e casos por COVID-19. Portanto, não há indicação de controle da epidemia no Distrito Federal.
De acordo com os dados oficiais da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) é possível identificar que não há uma diminuição significativa e sustentada de casos e de óbitos por COVID-19 registrados nas últimas semanas, como podemos observar no Gráfico 1.
Além disso, observamos o mesmo padrão para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), um indicador que deve ser considerado porque está relacionado com a subnotificação dos casos de coronavírus.
Esses processos de abertura precoce nos colocam diante de um enfrentamento pouco eficiente da pandemia, uma vez que não possibilitam a diminuição na rapidez de contágio a ponto de vislumbrarmos uma saída sustentada do isolamento a médio prazo.
O sistema de saúde do DF não tem sido capaz de atender a uma quantidade crescente de casos graves, consequência do avanço da epidemia.
A taxa de ocupação dos leitos hospitalares em unidades de terapia intensiva (UTI) no SUS e na rede privada está bastante elevada, alcançando mais de 90% de ocupação, de acordo com os levantamentos do MPDFT a partir dos relatórios da regulação de leitos e das informações dos hospitais privados.
Ainda que o GDF venha afirmando que a capacidade hospitalar tem sido ampliada, na realidade a quantidade de leitos de UTI ativos mostra que o sistema de saúde do Distrito Federal está à beira do colapso com a ocupação quase completa dos leitos de UTI efetivamente disponíveis.
Além disso, de acordo com nota da Associação Brasiliense de Medicina de Família e Comunidade, é perceptível nas últimas semanas o aumento de pessoas com sintomas gripais procurando atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, aumento que acompanha o crescimento da circulação e aglomeração de pessoas no mesmo período.
Portanto, a partir das questões apresentadas, e baseando-nos nas recomendações internacionais, podemos afirmar que o Distrito Federal ainda não chegou ao momento adequado para uma retomada total de atividades, prevista para esse mês de julho.
É preciso posicionar-se firmemente sobre a necessidade do distanciamento social e continuar garantindo o funcionamento adequado do sistema de saúde e a execução das medidas de vigilância epidemiológica para passar pelo avanço da epidemia de forma controlada no Distrito Federal.
Mas, parece ser que a reabertura geral das atividades é um risco que o GDF decidiu correr. Vale a pena uma reabertura total a qualquer preço?