ESPECIAL ABCP: As ações de Santa Catarina no enfrentamento à pandemia

Este é o quinto texto da 5ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de fevereiro na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o quinto texto da 5ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de fevereiro na página da ABCP. Acompanhe!

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Santa Catarina e o segundo momento crítico da pandemia do novo coronavírus

Nome do(a) autor(a): Tiago Daher Padovezi Borges

Instituições às quais o autor está vinculado: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Titulação: Doutor em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP)

Região: Sul

Governador (Partido): Carlos Moisés (PSL)

População: 7.164.788 (estimada em 2019)

Número de municípios: 295

Casos confirmados em 05/02/2021: 590.449

Óbitos confirmados em 05/02/2021: 6.490

Casos por 100 mil hab.: 8.241

Óbitos por 100 mil hab.: 90,6

Data de início do Plano de vacinação: 18/01/2021

Acesse aqui o Plano de vacinação do estado


* Por: Tiago Daher Padovezi Borges

No dia 10 de dezembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro assim afirmou sobre a situação do novo coronavírus no país: “Estamos vivendo um finalzinho de pandemia” [1]. Apesar dessa declaração, os dados de Santa Catarina e de muitos outros estados não sugerem qualquer sinal de fim ou mesmo do seu arrefecimento nos últimos meses. Em dezembro e janeiro, os números de casos e óbitos mostraram um quadro alarmante em boa parte do país, sendo considerado por especialistas um dos períodos mais críticos da pandemia. Como ficará claro, contrariando as expectativas do atual presidente, Santa Catarina experimentou, nos últimos meses, uma situação de precário e perigoso equilíbrio entre oscilações no número de casos e uma situação de alta ocupação das UTIs. 

No fim do ano passado, nos meses de novembro e dezembro, o estado enfrentou o seu segundo e mais crítico momento em relação à ocupação de UTIs e indicadores de casos e óbitos. É importante recordar que o primeiro “pico” se concentrou entre as últimas semanas de julho e as primeiras de agosto, depois de aproximadamente quatro meses de progressivo afrouxamento das medidas de restrição do funcionamento das atividades econômicas. É possível afirmar que a situação de ausência de grandes restrições é uma característica da gestão da pandemia de Santa Catarina em boa parte do ano de 2020 e no início de 2021. 

Desde o fim do mês de abril, depois de um grande protagonismo do governo estadual e severas medidas de restrição, a postura adotada foi a de permitir a retomada de diversas atividades, cabendo aos municípios restringi-las, caso as autoridades locais julguem necessário. É importante pontuar que, nesse período, o estado vivia uma situação de relativa calmaria em relação aos indicadores, quando comparamos aos outros estados no país. Apesar desse “conforto inicial”, a situação agravou-se consideravelmente a partir do mês de julho, quando foi registrado um risco de colapso do sistema de saúde em boa parte do estado. Tal situação crítica não alterou a decisão de manter essa descentralização decisória, que se mostrou razoavelmente estável durante boa parte do período. 

Os próximos gráficos ilustram a situação da pandemia em Santa Catarina, evidenciando a existência de dois momentos críticos. O gráfico 1 nos apresenta os registros de novos óbitos nos últimos meses. 

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Como o Gráfico 1 nos mostra, depois de uma redução dos números nos meses de setembro e outubro, Santa Catarina voltou a enfrentar uma situação alarmante de aumento de casos e, consequentemente, de óbitos a partir da segunda quinzena de dezembro. No início de janeiro de 2021, a situação melhorou, em que se constata uma redução expressiva de novos óbitos. É importante destacar que, mesmo com essa recente melhora, a quantidade de novos óbitos é ainda superior à verificada nos meses de setembro e outubro. 

O gráfico seguinte apresenta os dados de óbitos acumulados por região, ponderados pela população (por 100 mil habitantes).

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O Gráfico 2 nos mostra um crescimento relativo mais acentuado na região do Foz do Rio Itajaí e do Sul. Mais distantes do litoral, as regiões do oeste catarinense (Meio Oeste e Grande Oeste) tiveram um crescimento menor, abaixo do valor total do estado. Apesar dessas diferenças, é importante destacar que há um aumento de registros de óbitos em todas as regiões, com patamares elevados a partir, principalmente, do final de julho e, depois de um momento de estabilidade, a partir do mês de novembro. 

E, finalmente, o Gráfico 3 mostra a situação de ocupação das UTIs nos últimos meses. 

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Muito semelhante com os dados de óbitos, o Gráfico 3 nos apresenta uma curva com dois momentos críticos: o primeiro no final do mês de julho e o segundo a partir da segunda semana do mês de novembro. Como fica claro, esse último “pico” foi um momento de maior gravidade, com percentuais de ocupação que se aproximaram da completa saturação das UTIs do estado [2]. Mesmo com uma recente melhora, os percentuais de ocupação ainda permanecem numa situação delicada, com boa parte das regiões apresentando ocupação de mais de 70% das UTIs [3]. Ou seja, a melhora verificada não parece oferecer uma situação confortável aos gestores e, principalmente, aos profissionais de saúde, em que se verifica um quadro extremamente delicado e sensível às oscilações, que podem culminar no colapso do sistema de saúde catarinense. 

Além de fatores epidemiológicos, que fogem dos objetivos do presente texto, alguns aspectos políticos podem ser destacados como facilitadores para que estejamos atravessando esse momento preocupante. Em primeiro lugar, o país viveu um período de eleições municipais que, naturalmente, envolveu diversas atividades de campanha, como panfletagens e comícios – atividades que em muito contrariam as recomendações de redução da circulação e aglomerações. Mesmo com o crescimento da importância das redes sociais nos últimos anos, os modos tradicionais de conquistar o voto continuaram sendo centrais nessas eleições municipais, mesmo em um contexto de pandemia. Portanto, é razoável pensar que as eleições podem ter proporcionado uma maior movimentação nas ruas, intensificando o alastramento do vírus. 

Em segundo lugar, o estado atravessou um ano de grande turbulência política, que pode ter reduzido à capacidade do governo estadual de tomar decisões. É fundamental levar em consideração fatores de ordem política, como a estrutura estatal herdada, a conformação dos apoios políticos, além de eventuais limitações orçamentárias e decisórias na tomada de decisão. Ou seja, mesmo com a crise epidemiológica, governadores e prefeitos não possuem completa autonomia para agir no seu enfrentamento, sendo importante relativizar e, talvez questionar, o sedutor termo “vontade política”. No caso de Santa Catarina, é impossível desprezar o processo de impeachment que Carlos Moisés atravessou no segundo semestre, que pode ter enfraquecido a capacidade decisória do governador em momentos mais agudos. 

Mesmo absolvido do impeachment [4], o governador foi afastado no fim de outubro [5] e retornou ao cargo aproximadamente um mês depois. Apesar do desfecho favorável, durante quase todo o ano de 2020, o governador teve que lidar com processos distintos de impeachment na Assembleia Legislativa, o que indicava uma significativa fragilidade política. Em uma situação de pandemia, com a necessidade de articulação com prefeitos e bancadas, é possível supor que o enfraquecimento político de Carlos Moisés pode ter refletido na tomada de decisões referentes à pandemia ao longo de 2020. 

E, por último, é impossível desprezar o contexto nacional de enfrentamento da pandemia. Com uma insistente postura de minimizar os efeitos da doença e de desencorajar qualquer medida de restrição das atividades econômicas, o governo federal pouco respaldou os governos locais no enfrentamento da pandemia. As ações presidenciais e a instabilidade no Ministério da Saúde, que contou com três ministros ao longo desse ano, não ofereceram qualquer incentivo para uma reversão da postura do governo estadual nos momentos mais críticos [6].

Embora a propagação e os efeitos do vírus ainda apresentem um elevado dinamismo, o enfrentamento da pandemia mostra-se extremamente estável, com movimentações no sentido de aquisição de novos leitos e a manutenção do funcionamento de grande parte das atividades econômicas. E, mesmo diante de situações de lotação de algumas unidades de UTIs, o governador Carlos Moisés tem se manifestado contra restrições severas de circulação e de restrição de atividades, defendendo que o estado não deve mais intervir nas liberdades individuais [7].

Apesar de ser impossível fazer qualquer prognóstico seguro, as declarações e as ações recentes parecem indicar a manutenção dessa situação de baixas restrições, independente da situação epidemiológica do estado.

Referências bibliográficas:

[1] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/estamos-vivendo-um-finalzinho-de-pandemia-diz-bolsonaro-apesar-da-alta-de-mortes-de-covid.shtml

[2] É importante mencionar que há registros de ocupação máxima de UTIS de adultos em muitos hospitais do estado. Fonte: https://www.nsctotal.com.br/noticias/sc-tem-13-hospitais-com-utis-adulto-lotadas-por-pacientes-de-coronavirus

[3] Nos últimos dias, as regiões do interior do estado vivem uma situação crítica; uma situação verificada na grande Florianópolis em dezembro. Fonte: https://www.nsctotal.com.br/noticias/enquanto-oeste-de-sc-vive-colapso-numeros-do-estado-indicam-queda-nos-indices-da-covid-19

[4] Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/11/27/governador-de-sc-carlos-moises-e-absolvido-em-julgamento-e-continua-no-cargo.ghtml

[5] Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/10/29/carlos-moises-fica-afastado-do-governo-de-sc-por-ate-120-dias-segundo-certidao-do-tribunal-de-julgamento.ghtml

[6] É importante pontuar que, no início do mês de dezembro, foi feita uma tentativa de reduzir a circulação de pessoas no estado com a adoção do toque de recolher entre 23:00 e 06:00. Tal iniciativa teve pouco êxito e logo foi abandonada. Fonte: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/05/santa-catarina-inicia-hoje-toque-de-recolher-para-conter-alta-de-covid-19.htm

[7] A seguinte declaração sintetiza a atual postura estadual no enfrentamento à pandemia: “(…) a regra é a liberdade do indivíduo. A gente sabe que para o governo intervir na liberdade do indivíduo ele tem que justificar a sua atuação. Isso nós o fizemos no início da pandemia, quando nós ainda não tínhamos ampliado em 160% o nosso número de leitos no Estado, nós não tínhamos desenvolvido as regras para um convívio, não vou dizer seguro, mas pelo menos responsável com o coronavírus e com a pandemia da Covid-19. A partir de então nós temos os regramentos, temos as atividades, e as pessoas precisam cumprir as regras” https://www.nsctotal.com.br/noticias/moises-diz-que-trabalho-foi-feito-e-que-nao-pode-operar-milagre-sobre-pandemia-em-sc

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