ESPECIAL ABCP: As ações da Bahia no enfrentamento à pandemia

Este é o vigésimo quinto texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o vigésimo quinto texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!

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Bahia: desafios sanitários e políticos da reabertura

Nome dos(as) autores(as) e instituição a que estão vinculados(as): Carla Galvão Pereira Arantes (UFBA); Cláudio André de Souza (UNILAB) e Rafael de Aguiar Arantes (UFBA)

Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutorado em Ciências Sociais (UFBA)

Região: Nordeste

Governador (Partido): Rui Costa (PT)

População: 14.873.064 (IBGE, 2019)

Número de municípios: 417

Data do registro do primeiro caso no estado: 06/03/2020

Data do primeiro óbito no estado: 29/03/2020

Casos confirmados em 27/08/2020: 245.021

Óbitos confirmados em 27/08/2020: 5.157

Casos por 100 mil hab.: 1.647,41

Óbitos por 100 mil hab.: 34,67

Decreto estadual em vigor no dia 23/08/2020: 19.935 de 21 de agosto de 2020 e 19.936 de 24 de agosto de 2020 (inclusão e retirada de municípios da lista de suspensão da circulação do transporte intermunicipal)

Índice de isolamento social no estado: 37,9% 


* Por: Carla Galvão Pereira Arantes, Cláudio André de Souza e Rafael de Aguiar Arantes

Conforme discutimos nas últimas edições deste boletim, o governo da Bahia se destacou na implementação de ações de cooperação com os municípios do estado, em especial com Salvador, que se expressou em uma governança de crise considerada por nós, até aquele momento, bem-sucedida. Porém, essa avaliação vem sendo colocada em questão desde a implementação das estratégias de reabertura das atividades econômicas levadas a cabo desde o início de julho pelo governo do estado e pelas prefeituras, em especial Salvador. O critério principal do plano de flexibilização costurado pelo governo do estado e pelos municípios se fundamentou na taxa de ocupação dos leitos de UTI e não considerou outros aspectos tidos como relevantes. Por exemplo, para o Comitê Científico do Consórcio Nordeste, além da tensão sobre o sistema de saúde deveriam ser também considerados o fator de reprodutibilidade da doença, a situação local da epidemia e o isolamento social, bem como a influência geográfica.

A Bahia vive hoje uma situação relativamente confortável em termos da ocupação de leitos clínicos e de UTI, respectivamente em 49% e 56%. Uma das principais estratégias do governo do estado durante todo o período da pandemia foi a ampliação do número de leitos de modo a garantir que não houvesse uma saturação do sistema de saúde. Isso, de fato, foi alcançado, pelo menos até o presente momento. Entretanto, esses números não revelam a atual situação da pandemia no estado. Desde o último boletim (15/07), o número de casos na Bahia mais do que dobrou, passando de 112.993 para 245.021 mil casos, a maior parte deles nos municípios do interior, confirmando a hipótese da interiorização da pandemia, conforme pode ser visualizado nos mapas abaixo. Salvador, que já foi responsável por mais da metade do número de casos, hoje representa cerca de 31%. O número de óbitos revelou tendência semelhante, saltando de 2.638 para 5.135 mil. 

Mapas 1 e 2: Evolução dos casos de COVID-19 na Bahia – 25/03 e 24/07

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Mapas 1 e 2: Evolução dos casos de COVID-19 na Bahia – 25/03 e 24/07

Fonte: Atlas das políticas públicas de combate à Covid-19 no Brasil, 2020

Nos últimos dias, a Bahia tem apresentado também uma ampliação da chamada média móvel de óbitos, o que só ocorre quando o dado diário ultrapassa 15% do valor dos últimos 14 dias. Segundo o Secretário de Saúde do Estado, Fábio Vilas-Boas, isso não representa a real situação da Bahia, já que estaria ocorrendo um esforço da Secretaria de Saúde estadual e dos municípios de atualizar os registros de mortes relativos à covid-19. A ampliação, portanto, seria resultado de uma subnotificação passada, o que demonstra um grave problema de transparência na inclusão temporal dos dados no sistema. Ou o estado conviveu durante um bom tempo com dados subnotificados da mortalidade causada pela covid-19 ou essa justificativa está sendo utilizada agora para relativizar o crescimento da pandemia no estado, situação inequívoca, segundo os dados apresentados nesse boletim, que se fundamenta na comparação com as condições de 42 dias atrás.

Acreditamos, para além da supracitada atualização dos dados, que a realidade aqui descrita sugere a fragilidade do critério baseado na ocupação de leitos para a flexibilização das atividades econômicas, especialmente porque ele vem sendo utilizado de maneira artificial. As referidas taxas não vêm caindo por conta da diminuição do número de casos diários ou da taxa de reprodutibilidade, mas por conta do contínuo esforço dos governos (nesse caso não apenas do estadual) em ampliar o número de vagas. Porém, isso não garante o controle da pandemia e nem a preservação de vidas, já que o próprio secretário de Saúde, em entrevista a uma rede de televisão local, informou que a taxa de mortalidade daqueles que vão para a UTI é de cerca de 50% no estado. Nessa declaração, evidentemente, o secretário tentava informar à população que a existência de leitos de UTI não garantia o fim da pandemia, mas qual a mensagem institucional que o governo passou à população quando apresentou os planos de flexibilização justamente pautado neste indicador?

Conforme também discutimos no boletim anterior, já naquele momento notávamos o crescimento das pressões advindas dos setores econômicos e a incapacidade dos governos de manter por muito mais tempo as medidas de isolamento social. Os conflitos e tensões se tornaram evidentes, assim como os interesses, em especial dos prefeitos, que já se voltavam para o imediatismo dos ganhos eleitorais, fruto da realização das eleições municipais em novembro. De fato, as medidas de flexibilização se sucederam gradativamente. Salvador, por exemplo, já alcançou a fase dois de reabertura, de um total de três. Municípios da região metropolitana e de regiões turísticas do estado já permitiram a abertura de bares, restaurantes, praias e meios de hospedagem. O sistema de Ferry-Boat, que liga Salvador à Ilha de Itaparica, voltou a funcionar nos finais de semana. O índice de isolamento do estado caiu e mais carros e ônibus são encontrados nas grandes cidades; até os engarrafamentos voltaram a ocorrer, bem como a frequência maior de pessoas no comércio de rua. 

Na esteira da flexibilização rumo ao “novo normal”, na capital baiana a realização de festas denominadas de “paredão” têm sido consideradas um grande problema a ser enfrentado. Geralmente realizada em bairros populares, concentram grande número de pessoas, em especial jovens, muitas vezes sem o uso de máscara. A prefeitura em conjunto com o governo do estado, com o apoio da Polícia Militar (PM), está construindo ações logísticas conjuntas de enfrentamento à realização de paredões nos bairros com maior adensamento populacional e com mais de mil casos. No entanto, estas medidas podem reproduzir um modelo baseado na repressão em vez da conscientização, reforçando o racismo institucional ao construir ações voltadas à repressão de jovens negros, pobres e de bairros periféricos, ainda que a situação seja bastante complexa. 

Apesar de uma sensação de que a vida retornou ao “normal”, algumas medidas continuam sendo colocadas em prática: 354 municípios baianos permanecem com restrição para os transportes intermunicipais, as aulas continuam suspensas sem data para a retomada (ainda que o governo estadual tenha iniciado um protocolo de testes de professores e alunos para um possível retomada), a Bahia tem em seu território hoje três vacinas sendo testadas (Oxford/AstraZeneca, Pfizer e BioNtech) e o governo do estado assinou um protocolo de entendimento com o grupo biotecnológico da China – CNBG para inserir o estado e a região Nordeste nos estudos clínicos da terceira fase de testes. Em Salvador, as praias e escolas municipais permanecem fechadas, assim como cinemas, teatros e clubes recreativos. De acordo com o protocolo de reabertura estabelecido, essas últimas três atividades (Fase 3) já poderiam ter sido liberadas. Porém, a prefeitura resolveu adiar essa fase para avaliar melhor os resultados da fase 2, que incluiu bares, restaurantes, salões de beleza e academias, entre outras atividades. 

Os desafios sanitários e políticos atinentes ao enfrentamento à covid-19 na Bahia envolvem uma parte da sociedade civil e seus diferentes grupos que passam a se mobilizar diante do retorno das atividades, destacando-se empresários, comerciantes e profissionais da educação. Parte da mídia local – rádios, jornais e TV – tem pautado o retorno como uma necessidade, em especial, como uma medida de salvamento da economia. Ao mesmo tempo, ainda há um campo de incertezas no que se refere à eficácia das medidas para permitir o retorno das atividades com segurança. Em um ano eleitoral, autoridades e governantes exercem um “cálculo de conflito” que envolve a representação de interesses, mas, ao mesmo tempo, o cuidado com o controle da pandemia, já que a perda de vidas também pode acarretar um grande custo político e eleitoral. As próximas semanas serão decisivas no desenvolvimento desse dilema entre a representação dos diversos interesses econômicos e a preservação de vidas.

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