Este é o décimo quarto texto da 4ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 24 e 28 de agosto na página da ABCP. Acompanhe!
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Machismo mata: recorte por gênero da Covid 19 no Tocantins
Nome dos autores: Marcelo de Souza Cleto e André Demarchi
Instituição à qual os autores estão vinculados: Universidade Federal do Tocantins
Titulação dos autores e instituição em que a obtiveram: (Marcelo): Doutor em Filosofia pela PUC-SP. Pesquisador e professor adjunto do Bacharelado em Ciências Sociais do Programa de Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas; (André): Doutor em Antropologia pela UFRJ. Pesquisador e professor adjunto do Bacharelado em Ciências Sociais do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade.
Região: Norte
Governador (Partido): Mauro Carlesse (DEM)
População: 1.572.866
Número de municípios: 139
Data do registro do primeiro caso no estado: 18 de março de 2020
Data do primeiro óbito no estado: 14 de abril de 2020
Casos confirmados em 25/08/2020: 44.273
Óbitos confirmados em 25/08/2020: 593
Casos por 100 mil hab.: 2.814,8
Óbitos por 100 mil hab.: 37,7
Índice de isolamento social no estado: 34,7%
* Por: Marcelo de Souza Cleto e André Demarchi
A pandemia da covid 19 chega a cinco meses de avanço acelerado na contaminação e na crescente subtração de vidas humanas. Das 139 cidades do Tocantins, em quase metade já existe óbito confirmado. Governo do Estado e prefeitos dos municípios têm adotado posturas que, ao longo deste período, estamos analisando e modulando nossas hipóteses com as experiências ocorridas nos demais estados da Federação.
Em nossa anterior consideração no dia 7 de agosto sobre a conjuntura da doença em nosso estado, publicada no jornal O Estado de São Paulo [1], apresentamos nossa tese acerca da impropriedade do governo Mauro Carlesse (DEM) em levar adiante um enfrentamento à doença com mais presteza e valor à vida humana. Nosso argumento ponderou desde a predisposição do governo e de sua linhagem antecedente no trato peculiar à coisa pública, situação causadora de um fenômeno sui generis conceituado por nós de Conservadorismo Instável.
De forma geral, a gestão pública do Tocantins tem características em que o grupo que domina a política local vem se sucedendo de forma constante com o agravante de, nos momentos próprios de transição, ocorrerem situações que desestabilizam o crescimento do Tocantins. São variados os eventos que contribuem para a consolidação de um tipo de cultura política sem credibilidade política, econômica e social.
Quando a manutenção do poder se sobrepõe à dinâmica democrática ocorre a opacidade da autoridade, uma vez que são comuns na curta história institucional renúncias para acomodação dos líderes, do Alpha para o Betha. Para o melhor tratamento do fenômeno conjuntural, enumeramos as principais características que delineiam a resposta do governo do Tocantins no enfrentamento à pandemia: sendo elas a) um arranjo institucional que não mitiga ações de médio e longo prazo, b) recursos orçamentários restritos, c) insumos médicos limitados e, d) racismo estrutural de face patriarcal.
Para o tratamento específico deste artigo, gostaríamos de nuançar o plano do prisma em que está contida a problemática das relações de gênero, sinteticamente, como a covid-19 impacta homens e mulheres no Tocantins.
Pelo gráfico abaixo, pode-se verificar a trajetória ascendente dos óbitos gerais. Pela força do crescimento não se identifica uma tendência de encontro ao platô, fase de estabilização e início de uma possível queda.
Aqui no Tocantins, tanto na estrutura social quanto no imaginário coletivo, o “másculo”, o “macho”, o “forte”, “o cabra valente que domina o boi” é a persona sintetizadora que na cultura patriarcal política local é o digno de representar. Nunca é demais lembrar que, nesse sistema patriarcal, a conservação do poder está no homem, por isso ocupam os lugares de destaque.
Por outro lado, ainda neste imaginário machista, as mulheres seriam “frágeis por natureza”, e deveriam “se ocupar da casa e de seus afazeres de sentimento”. Esse emaranhado que faz o imaginário reflete e é refletido pelas microrrelações dinâmicas que juntas compõem a estrutura social e suas resistências. Não entraremos no mérito da questão de determinação causal entre imaginário (ideologia) e cotidiano (práxis), mas apontamos pelos dados abaixo como os homens em relação às mulheres estão mais suscetíveis ao óbito pela covid-19, revelando que a aura da virilidade e da força imbatível não são tão reais como os Salmos e os hinários fazem crer.
Na consideração por gênero, o que se tem é a maior contaminação entre a população feminina, ou seja, as mulheres estão mais sujeitas ao vírus. Apesar de serem numericamente 49,23% da população total do Tocantins, considerando o Censo de 2010, o dado singulariza o papel social das mulheres enquanto coluna humana de contágio em massa. O gráfico abaixo ilustra a dinâmica que buscamos salientar.
Com maior exposição frente ao vírus, no inter caminho da casa e da rua, as mulheres seguem no trato com as crianças, e com a violência doméstica agravada pelo quadro coletivo. A casa enquanto lugar teve que reelaborar-se em sua cotidianidade, reificando, também, as questões referentes à vulnerabilidade da saúde dos homens. A proporção entre homens contaminados e óbitos é bem superior ao das mulheres. Assim, apesar dos casos confirmados serem maiores entre as mulheres, não são elas automaticamente mais impactadas pelo óbito, pelo contrário, o gráfico abaixo demonstra que quem mais entra em óbito são os homens.
A debilidade da resistência física masculina em detrimento da capacidade do organismo feminino em coordenar seu sistema de defesa é notória e fica ainda mais evidente quando se desagrega o dado absoluto e o circunda na realidade. Elencamos no quadro a seguir os oito municípios do estado com os índices mais elevados de casos confirmados e óbitos.
Pode-se extrair desse conjunto de dados, principalmente na diferença entre óbitos masculinos e femininos nas duas últimas colunas do quadro, o tipo de resposta que cada gênero tem desenvolvido nessa encruzilhada da espécie humana. Fica evidente, portanto, que, mesmo sendo mais contaminadas, as mulheres, por seus hábitos de cuidado corporal e da saúde, falecem menos que os homens, que, como se sabe, possuem uma cultura machista, em que o cuidado corporal é, ainda por muitos, considerado “coisa de mulher”. Por fim, consideramos importante essa abordagem no sentido de melhor compreendermos os lugares que homens e mulheres ocupam tanto na representação quanto na ação. E percebemos que a cultura patriarcal e machista pode matar, inclusive, os homens.
Referências bibliográficas: