ESPECIAL ABCP: As ações de Goiás no enfrentamento à pandemia

Este é o décimo texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o décimo texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

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O enfrentamento à COVID-19 em Goiás a partir de ações no campo político, jurídico e orçamentário

Nome dos autores: Robert Bonifácio; Victor Hugo Gomes Lopes

Instituições às quais os autores estão vinculados: UFG; UFG/ALEGO

Titulação dos autores e instituição em que a obteve: Doutor em Ciência Política, UFMG; Mestre em Sociologia, UFG

Região: Centro-oeste

Governador (Partido): Ronaldo Caiado (DEM)

População: 7.018.354 (2019)

Número de municípios: 246

Casos confirmados em 12/07/2020: 36.244

Óbitos confirmados em 12/07/2020: 849

Casos por 100 mil hab.: 516,4

Óbitos por 100 mil hab.: 12,1


* Por: Robert Bonifácio e Victor Hugo Gomes Lopes

Em julho de 2020, a propagação da COVID-19 em Goiás segue a todo vapor, com elevações de casos e de óbitos. A estimativa do secretário estadual de Saúde é de que o sistema de saúde, privado e público, sentirá a maior pressão entre os dias 22 e 27 de julho. Os registros oficiais de 12/07/2020 colocavam Goiás na 19ª e na 20ª posição nos rankings dos estados sobre quantidade de casos e óbitos referentes à COVID-19, respectivamente

Nesse contexto, atemo-nos a analisar a propagação da pandemia da COVID-19 no estado a partir de breves reflexões no campo político, jurídico e orçamentário. Para tanto, fazemos uma interpretação da conjuntura política do mês de julho e analisamos dados referentes à criação de leis e decretos e de créditos adicionais. Como principais conclusões, destacamos:

(i) a predominância de um ambiente político avesso às decisões políticas embasadas em evidências científicas para o enfrentamento da COVID-19;

(ii) a manutenção de padrões de volume de produção de leis e decretos, embora haja substantiva produção destinada a questões relacionadas à pandemia, o que indica que as ações dos poderes executivo e legislativo estaduais a tratam como um problema público prioritário e que diversos problemas públicos usuais são negligenciados momentaneamente;

(iii) a elevação substantiva de créditos adicionais, impulsionada pela pandemia, o que transformou a política fiscal do estado.  

Conjuntura política 

Após o decreto de 19/04/2020, que flexibilizou as restrições para atividades econômicas no estado, o governador Ronaldo Caiado (DEM) não conseguiu mais ditar as ações de combate à Covid-19 em Goiás a partir de medidas estratégicas elaboradas por sua equipe.

Recentemente, a ilustração disso é o não engajamento de prefeitos de cidades relevantes, como Trindade, Aparecida de Goiânia e Anápolis, ao regime de 14 dias de funcionamento exclusivo de atividades essenciais e 14 dias de flexibilização, proposto por uma tríade de professores que estimam a propagação da pandemia no estado.   

A harmonia política entre o governador e o prefeito da capital, Íris Rezende (MDB), continua vigente, mas isso não impediu que o último, após um período inicial de acatamento às recomendações do regime 14/14, comunicasse em 08/07/2020, no 7º dia após a edição do decreto estadual de 01/07/2020, que não seguiria mais as suas instruções e que a capital voltaria a permitir o funcionamento de atividades econômicas não essenciais a partir de 14/07/2020, sem qualquer previsão para novo período de restrição.

Nessa data, os bares reabrirão e provavelmente serão divulgadas cenas trágicas de comportamento inadequado em período de pandemia, tal como se deu na cidade do Rio de Janeiro, no começo de julho. 

Definitivamente, a referência para tomada de decisões políticas entre boa parte dos prefeitos do estado de Goiás não são mais as evidências científicas e se espera um agravamento da situação de casos e de óbitos por conta da pandemia, restando observar se o sistema de saúde será ou não suficiente para satisfazer o crescimento da demanda. 

A produção de leis e decretos 

Um dos indicadores de proatividade dos poderes legislativo e executivo é o volume de edição de leis e de atos normativos (aqui restrito a decretos). Quanto mais leis e decretos gerados, espera-se que haja maior regulação de atividades econômicas, maior produção de políticas públicas, criação ou extinção de órgãos, reorganização administrativa, etc.

Entendemos que há janelas de oportunidades para maior produção jurídica, como o primeiro ano de mandato (reorganização administrativa), os dois primeiros meses de retorno do recesso legislativo (votação de matérias legislativas represadas) e os dois últimos meses do ano (questões orçamentárias). 

Nesse sentido, esperávamos que houvesse um aumento substantivo da edição de leis e decretos no primeiro semestre de 2020, devido à propagação da pandemia da COVID-19 em Goiás. Não foi o que se observou. Pelo contrário, há um claro cenário de normalidade. 

Nos gráficos 1 e 2, observamos que os primeiros semestres de 2019 e de 2020 possuem os dois menores quantitativos de leis (117 em 2019 e 105 em 2020) e de decretos (84 em 2019 e 96 em 2020), numa série histórica que se inicia em 2011.

Há de se considerar o rompimento de 20 anos de “marconismo”, com a eleição de Caiado em 2018, considerando a possibilidade de mudanças no modus operandi de produção de leis e decretos. No entanto, embora 2019 e 2010 concentrem os menores valores, eles estão próximos dos valores dos demais anos, exceto daqueles que classificamos como outliers (2014 e 2018, no caso de leis, e 2013 e 2016, no caso de decretos). 

Interpretamos que, embora haja a manutenção de padrões de volume de produção de leis e decretos, existe substantiva produção destinada a questões relacionadas à pandemia, o que indica que as ações dos poderes executivo e legislativo estaduais a tratam como um problema público prioritário e que diversos problemas públicos usuais são negligenciados momentaneamente. 

GOGráfico 2 – Quantidade de decretos expedidos no primeiro semestre

A criação de créditos adicionais 

Os créditos adicionais são as autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento. Dependendo da sua finalidade, classificam-se em: suplementares (reforço de uma dotação orçamentária já existente) especiais (destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica) e extraordinários (criados somente quando há vigência de situação de urgência e imprevistas, como em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública). 

A partir do diagnóstico da emissão de créditos adicionais destinados especificamente às ações de enfrentamento à COVID-19, e sua comparação com um período anterior, podemos identificar os esforços financeiros empreendidos pelo governo do estado de Goiás. 

O gráfico 3 ilustra a grande diferença de emissão de créditos adicionais entre os primeiros semestres de 2019 e de 2020, que chega a aproximadamente 420%. Quando se compara a emissão de créditos adicionais em 2019 somente com o montante de crédito extraordinário dedicado exclusivamente às ações de enfrentamento da COVID-19 em 2020, a diferença é de aproximadamente 226%. 

Embora seja importante considerar a adoção prática da lógica de austeridade fiscal empregada nas finanças estaduais pela Secretaria de Estado da Economia, e apoiada politicamente pelo governador, em 2019, as diferenças de grande magnitude entre os anos de 2019 e 2020 indicam que, de fato, o enfrentamento da COVID-19 transformou estruturalmente a política fiscal do estado

Gráfico 3 – Emissão de créditos adicionais em Goiás (em reais)

* Robert Bonifácio é doutor em ciência política (UFMG). É professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde atua como membro permanente dos programas de pós-graduação em ciência política e em direito e políticas públicas. Contato: rbonisilva@gmail.com

* Victor Hugo Gomes Lopes é Analista legislativo da Assembleia Legislativa de Goiás, mestre em Sociologia e mestrando em Direito e Políticas Públicas, ambos pela UFG. Contato: victorhugolopes@yahoo.com.br 

Referências bibliográficas:

[1] Disponível em: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/07/06/na-primeira-semana-de-julho-goias-registra-3819-casos-e-133-mortes-de-coronavirus-segundo-o-governo.ghtml. Acessado em: 12/07/2020.

[2] Disponível em: https://covid.saude.gov.br. Acessado em: 12/07/2020.

[3] As cidades são governadas por Jânio Darrot (PSDB), Gustavo Mendanha (MDB) e Roberto Naves (Progressistas), respectivamente.

[4] Para maiores informações, acessar: http://covid.bio.br. Acessado em: 12/07/2020.

[5] No entanto, cabe ressaltar que proatividade não significa, necessariamente, efetividade, isto é, um alto volume de produção de leis e atos normativos, por si só, não é sinônimo de resolução de problemas.

[6] Disponível em: https://legisla.casacivil.go.gov.br/pesquisa_legislacao/pagina_inicial. Acessado em: 12/07/2020.

[7] Fonte: Sistema Legisla, da Secretaria de Estado da Casa Civil do estado de Goiás

[8] Os valores são: R$ 155.823.087,16 (créditos adicionais 2019), R$ 650.314.308,18 (créditos adicionais 2020) e R$ 351.588.281,72 (crédito extraordinário COVID-19, 2020).

[9] Cabe destacar também o ingresso de recursos financeiros para o enfrentamento da COVID-19 em Goiás a partir do governo federal. Foram cerca de R$350 milhões, sendo que a maior parte, cerca de R$300 milhões, foi repassada diretamente para os municípios, e o demais para o governo do estado. Disponível em: https://www.opopular.com.br/noticias/politica/a-cada-r-100-repassados-da-união-para-o-combate-à-covid-19-em-goiás-apenas-r-15-ficam-com-estado-1.2083523. Acessado em: 12/07/2020.

[10] Disponível em: http://www.controladoria.go.gov.br/cge/. Acessado em: 12/07/2020.

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