ESPECIAL ABCP: As ações de São Paulo no enfrentamento à pandemia

Este é o quinto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o quinto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

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Interiorização eleva riscos da aposta na reabertura paulista

Nome dos(as) autores(as): Hellen Guicheney; Eduardo Lazzari; Sergio Simoni Jr; Carolina Requena.

Instituições às quais estão vinculados(as): (Hellen) CEM, CEBRAP e Rede de Políticas Públicas & Sociedade; (Eduardo) CEM, Rede de Políticas Públicas & Sociedade, Visiting Scholar Harvard; (Sergio) CEM, UFRGS, Rede de Políticas Públicas & Sociedade; (Carolina) CEM, Rede de Políticas Públicas & Sociedade

Titulação: (Hellen): Doutora – DCP/USP; (Eduardo): Doutorando – DCP/USP; (Sergio): Doutor – DCP/USP; (Carolina): Doutora – DCP/USP

Região: Sudeste

Governador (Partido): Joao Doria (PSDB)

População: 45.882.846

Número de municípios: 645

Casos confirmados em 12/07/2020: 366.829

Óbitos confirmados em 12/07/2020: 17.702

Casos por 100 mil hab.: 799,49

Óbitos por 100 mil hab.: 38,58


* Por: Hellen Guicheney, Eduardo Lazzari, Sergio Simoni Jr e Carolina Requena

Ao final de abril, a tendência de expansão do contágio para o litoral e interior do estado de São Paulo já era antecipada por especialistas [1] e pela própria Secretaria de Desenvolvimento Regional [2]. Ainda assim, todas as regiões foram submetidas a um plano de reabertura iniciado em junho, o Plano São Paulo, o qual obedeceria a critérios de desconfinamento, que deveriam incorporar o contexto local da pandemia.

Em 12/07 havia 634 municípios (dentre os 645) com casos confirmados, sendo 36,9% destes, além de 25,5% dos óbitos, registrados no interior e litoral [3].

Ao analisar o desenrolar do Plano ao longo de junho, vê-se como a doença se interiorizou, demandando maiores restrições a essas regiões do que aquelas consideradas pelo Executivo estadual quando do lançamento da nova política. O cenário levanta questionamentos quanto às decisões do governo estadual na gestão da política de isolamento.

Mudanças na Política de Quarentena

Decretada no dia 22/03, a quarentena foi renovada repetidamente até o final de maio, quando muda sensivelmente de caráter e incorpora um processo heterogêneo de reabertura. Os Departamentos Regionais de Saúde (DRSs) passam a ser classificados em cinco fases, segundo a pontuação alcançada em termos de capacidade da rede de saúde [4] e evolução da pandemia [5], sendo a fase 1 de maior isolamento [6].

No primeiro balanço da nova política [7], em 03/06, assustava o fato de que o próprio governo divulgasse uma projeção ainda crescente do número de casos justo no momento em que se iniciava a transição para um novo tipo de quarentena, o que diferia da recomendação da OMS [8]: que a trajetória da curva estivesse controlada antes da abertura. Surpreendia ainda a falta de um plano de testagem para os municípios [9].

Uma semana depois, a apresentação apenas acresce àquela argumentação uma projeção para o cenário hipotético no qual nenhum isolamento social tivesse sido implantado desde março, com vistas a ressaltar os ganhos até então obtidos com a primeira fase da quarentena. Porém, também omite a projeção de um cenário no qual o formato de isolamento “pré-Plano São Paulo” tivesse sido mantido por mais tempo. 

Já no dia 26, o governo relata uma desaceleração da evolução do número de novos casos, que passa de 1028% na transição de março para 71% nos 12 primeiros dias de junho [10]. Porém, no balanço de 10/07, não é discutida a reaceleração do contágio [11], nem a continuação da ausência de uma política coordenada de testagem. 

Idas-e-vindas com interiorização

Desde o início do Plano causou estranheza a capital ter sido desmembrada de seu DRS original, o qual engloba todos os municípios da região metropolitana (RMSP). Logo na segunda atualização, a RMSP foi subdividida em cinco regiões, sob a justificativa de considerar a dinâmica própria da pandemia em cada uma delas, embora a região seja intensamente conurbada, facilitando a transmissão da doença. 

Ao mesmo tempo, em seu lançamento, o Plano previa classificar em um nível de menor confinamento os DRSs localizados no interior do estado, como Araraquara e Barretos. Não obstante, como se vê no Gráfico 1, as cidades do interior e do litoral passaram, no mês de junho, a concentrar mais casos novos de contágio do que a capital e a RMSP.

Gráfico 1 - Média de Novos Casos Diários a cada 7 dias

Por isso, a decisão original de relaxar o confinamento no interior em 1º de junho pode ter sido precipitada [12], o que corrobora alguns estudos que chamaram atenção ao risco envolvido naquela ação [13].

Mesmo assim, houve duas tendências observadas na gestão do Plano. A primeira consiste no paulatino desconfinamento da RMSP, com quase todas regiões na fase 3. A segunda se refere ao maior confinamento no interior. No mapa abaixo, observa-se que, se Barretos foi colocada na fase 3 no lançamento do Plano, logo em seguida aquele DRS voltou à primeira fase, mesmo movimento que se observou nos DRSs de Sorocaba, Marília e Ribeirão Preto, por exemplo.

Mapa 1 - Atualizações do Plano São Paulo

Os parâmetros de funcionamento de cada fase também foram alterados. Na atualização de 10/07, DRSs em fase 2 agora podem ter estabelecimentos que funcionam no máximo por 4 horas todos os dias ou que funcionem por 6 horas, mas só abram quatro dias na semana – opção que anteriormente inexistia. O mesmo vale para bares, que podem abrir para consumo local, mas com restrições. Tais decisões permitem um maior relaxamento “prático”, mesmo não havendo a recolocação do DRS numa fase mais restritiva de confinamento.

Questionamentos ao Plano São Paulo

As sucessivas mudanças observadas no plano suscitam ao menos dois questionamentos. O primeiro se refere à possibilidade de que pressões políticas de prefeitos e setores econômicos estejam influenciando sobremaneira a gestão do plano, advogando em favor de menor confinamento (e contrariando recomendações epidemiológicas). Vide que os prefeitos de Itu, Marília e Araçatuba elaboraram decretos visando flexibilizar atividades em suas cidades, o que foi contestado pelo Ministério Público. Já o prefeito de Franco da Rocha (RMSP Norte) criticou a diferença nas classificações entre a capital e a RMSP alegando que muitos de seus moradores trabalham na capital, podendo “importar” a doença. 

O segundo é o impacto que essas pressões podem ter no decorrer da pandemia. A capital assistiu a movimentos de alta aglomeração nos arredores de comércio a partir de 10/06. Um mês depois, o prefeito autorizou a abertura de bares e restaurantes, sendo que, para os próximos dias, prevê-se ainda a abertura gradual de parques e academias. 

A situação é mais problemática, sobretudo, em regiões que contam com uma infraestrutura hospitalar menos numerosa. Prefeitos de Sorocaba e Piracicaba, a despeito de terem suas regiões elevadas para a fase 2 na 6ª versão do Plano, declararam que vão manter a restrição máxima. Com o alastramento da doença no território e a dificuldade de se manter políticas de isolamento social no longo prazo, regiões interiorizadas podem ser as mais atingidas. 

São Paulo pode servir de exemplo de cautela para governos que pensam o dia seguinte da primeira onda espacialmente localizada da Covid-19.

Referências bibliográficas:

[1] https://covid19.fct.unesp.br/mapeamento-cartografico/

[2] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/12/coronavirus-avanca-mais-rapido-no-interior-e-ja-afeta-todas-as-cidades-de-sp-com-mais-de-70-mil-habitantes.ghtml. Último acesso em 11/07/2020.

[3] https://www.seade.gov.br/coronavirus/

[4] Via mensuração ponderada dos seguintes indicadores: taxa de ocupação e n. de leitos de UTI dedicados à Covid-19.

[5] Em termos do número de novos casos, internações e óbitos na rede pública e privada, não da tendência observada.

[6] Uma DRS pode descender a uma fase mais restritiva a cada semana, ou ascender a cada 2. A atualização mais recente da classificação foi em 10/07.

[7] https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/20200603_Coletiva_vf-certo-1.pdf

[8] Covid-19 strategy update, OMS: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/covid-strategy-update-14april2020.pdf?sfvrsn=

[9] https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/sao-paulo-poe-fim-a-quarentena-com-curva-de-contagio-e-mortes-em-ascensao/

[10] https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/4-balanco-planoSP-26062020.pdf

[11] Os índices semanais de junho variam de 61% para -1%, então para 10% e, finalmente, para 35% no dia 24, tendência esta já apontada no balanço anterior.

[12] https://www.sintrajud.org.br/wp-content/uploads/2020/07/PARECER-SP.pdf.

[13] Por exemplo: https://ciis.fmrp.usp.br/covid19/nota-tecnica-sobre-o-relaxamento-do-isolamento-social-no-estado-de-sao-paulo-previsto-para-o-dia-1o-de-junho-de-2020/. Último acesso em 11/07/2020.

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