ESPECIAL ABCP: As ações do Rio Grande do Norte no enfrentamento à pandemia

Este é o vigésimo terceiro texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o vigésimo terceiro texto da série de análises contextualizadas de cada um dos estados brasileiros, no especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil“, publicado entre os dias 8 e 12 de junho na página da ABCP. Acompanhe!


Gargalos de Implementação: a hora e a vez dos pobres, negros e vulneráveis na pandemia do Rio Grande do Norte

Nome dos(as) autores(as) e instituição a que estão vinculados(as): Sandra Gomes e Anderson Cristopher dos Santos (Departamento de Políticas Públicas – UFRN)

Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutora em Ciência Política (USP); Doutor em Ciências Sociais (UFRN)

Região: Nordeste

Governador (Partido): Fátima Bezerra (PT)

População: 3.506.853 (est. 2019)

Número de municípios: 167

Casos confirmados em 10/06/2020: 11.207 (boletim 83)

Óbitos confirmados em 10/06/2020: 459 (boletim 83)

Casos por 100 mil hab.: 3.202

Óbitos por 100 mil hab.: 131


* Por: Sandra Gomes e Anderson Cristopher dos Santos

Desde a última publicação no portal do Nexo, em parceria com a ABCP [1], no início de maio, a situação do Rio Grande do Norte (RN) se alterou dramaticamente. Do ponto de vista epidemiológico, o estado saiu de uma condição de relativo controle para se aproximar a uma situação crítica de esgotamento da capacidade hospitalar para pacientes com Covid-19.

As relações entre executivo estadual – governado pelo PT – e a prefeitura da capital – do polo político oposto, o PSDB – têm também dado mostras de mudança. Se, até o mês de abril, a relação entre os dois executivos pareceria ser de razoável colaboração, com o crescimento da contaminação associado à proximidade das eleições municipais, observa-se um discurso que sugere baixa intenção de cooperação. Esse fato acaba por intensificar o maior gargalo ou desafio atual na gestão da crise: a efetiva implementação das medidas de combate ao novo coronavírus, especialmente o isolamento social.

Iniciamos com uma descrição da mudança da situação epidemiológica no estado, pois entendemos como elemento relevante para explicar as tentativas de distanciamento político entre prefeito e governadora. Como veremos, a situação é crítica e o número de infectados (e de mortes) não parece estar perto de arrefecer em um momento em que as principais vítimas deixaram de ser de classe média alta para se mover para as periferias das maiores cidades e o interior do estado. 

É a partir do início de maio que se verifica um grande salto na taxa de ocupação de UTIs, especialmente nas duas regiões de saúde com maior oferta de leitos, Natal e Mossoró que estão, hoje, em 100% [2]. Ainda que tenha havido considerável expansão, quatro das oito regiões de saúde do RN permanecem, ainda hoje, sem nenhum leito de UTI [3], isto é, ainda em processo de implantação. 

Se assumirmos, como os epidemiologistas estimam, que quando aparecem os sintomas da infecção, é possível que o contágio original tenha ocorrido entre 14 e 30 dias antes, podemos especular que, no caso do RN, abril teria sido um mês decisivo para o aumento nas taxas de contaminação, como sugerido pelos dados do LAIS/UFRN de velocidade de transmissão. A velocidade de transmissão se mantém estável nas últimas quatro semanas, não muito abaixo da máxima registrada (na 15ª semana epidemiológica, justamente em abril).

A maior parte das normatizações com relação ao isolamento social no RN – amplas e abrangentes [4] – foram emitidas pelo governo estadual antes disto, ao longo de março e início de abril.

Porém, a efetiva implementação dessas regras não ocorreu de modo suficiente. Exemplos: lojas não consideradas essenciais permaneceram abertas em locais de grande circulação de pessoas (como o conhecido bairro do Alecrim em Natal), aglomerações em véspera de feriados (semana santa e dia das mães) em lojas e comércio de rua, feiras livres com regras insuficientes de proteção, pagamentos do auxílio emergencial pela Caixa com aglomerações em filas e um curioso decreto de final de abril que acabou por permitir uma série de serviços a voltar a funcionar – como salões de beleza – mesmo sem receber tal recomendação do comitê técnico estadual [5], dificultando ainda mais as ações de fiscalização em estabelecimentos de pequeno porte. Só muito recentemente, início de junho, é que o governo estadual, em parceria com alguns municípios, iniciou uma operação de fiscalização mais significativa.

Outro fato que parece corroborar a hipótese de crescimento da taxa de contaminação no mês de abril é o aumento da circulação de pessoas. O isolamento social tem tido baixa adesão no RN. O maior pico de isolamento medido foi em 22 de março, logo após a série de decretos normatizando as medidas de contenção pelo governo do estado, quando se atinge 62% de isolamento em Natal e cerca de 58% no RN como um todo.

A partir de abril, o nível de isolamento começa a cair para abaixo do mínimo esperado (50%). O último dado disponível é bastante preocupante: em 5 de junho, o isolamento social em Natal havia caído para 37% e para 35% no RN em um momento em que a taxa de contaminação (e de óbitos) parece estar longe de atingir o seu pico. Antes do final do mês de abril, inclusive, começa a ficar evidente o maior avanço nos casos de contaminação nas áreas periféricas da cidade do Natal assim como no interior do Estado.

De fato, o desafio, no momento, é o de “fazer valer a lei”, isto é, a garantia de que os decretos normatizando o isolamento social sejam efetivamente cumpridos na prática. As razões que explicariam a baixa adesão da população são variadas: para uma parcela, trata-se de uma questão de sobrevivência, mas, para outra, um sentimento de normalidade e de distância (ou invisibilidade) do problema, reforçado, claramente, pelos discursos minimizadores do problema emanados de lideranças nacionais e (algumas) empresariais.

O principal problema, em termos de políticas públicas, é mesmo de implementação. Há de haver uma agenda de pesquisas potencialmente interminável sobre esse momento que estamos vivendo. Mas é também possível que tenhamos aprendizados: compreender melhor quais são os gargalos típicos enfrentados durante a implementação de políticas públicas complexas. 

É nesse sentido que preocupa a mudança no padrão cooperativo entre o governo estadual e o municipal da capital. Tendo em vista que o governo do RN centralizou as medidas mais significativas para estabelecer o isolamento social, a prefeitura do Natal teve pouca iniciativa própria em termos de normatização. Em outras palavras, seguiu aquelas estabelecidas pelo governo estadual. Isto parece ter gerado efeitos positivos, inclusive, na avaliação do Prefeito, o que não parece ser um fenômeno exclusivo do RN [6]. 

Se, ao longo de março e abril, as relações entre esses dois governos pareciam estar em sintonia ajustada, o decreto da governadora de 22 de abril abre as primeiras rusgas na cooperação. Na ocasião, a governadora manda fechar supermercados às vésperas da semana santa com o alegado objetivo de evitar aglomerações. O Prefeito de Natal contraria a medida e deixa explícito, em seu próprio decreto municipal, que o executivo estadual teria usurpado parte das competências municipais.

Desde então, o prefeito tem se colocado como um crítico às ações do governo estadual, com o argumento de que o governo estadual tem se omitido com relação às ações de apoio ao sistema de saúde municipal. Como o governo do RN não consegue implantar a expansão de leitos no interior, argumenta o prefeito, isto estaria sobrecarregando o atendimento em Natal, superlotado e atendendo pacientes residentes de outros municípios. A sinalização é clara: a alternativa não seria cooperar (ou pactuar) com outros municípios ou mesmo com o governo do estado, mas sim imputar a outros a causa da crescente e exasperante emergência sanitária, econômica e social [7].

Em meio a uma grave crise sanitária, convive-se com uma crise política inominável e resistências à colaboração e cooperação solidária entre níveis de governo, com honradas exceções. É uma combinação explosiva e com resultado certo: chegou a hora e a vez de morrerem não mais seletos membros da classe média alta, mas os pobres, pretos e vulneráveis. Uma crônica da morte anunciada. Mas, pode-se argumentar, e daí?

Referências bibliográficas:

[1] https://www.nexojornal.com.br/especial/2020/05/10/Como-os-governos-estaduais-lidam-com-a-pandemia?fbclid=IwAR0xpVIEhWEco2Ee57MHul2E9lLiArXPQvKxseHo51Uqqm9dzLMUw1hyzSA

[2] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/06/08/ocupacao-de-leitos-para-covid-19-atinge-100-em-natal-e-mossoro.htm.

[3] Ver Medeiros et al (2020) em https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/regionalizacao-do-sus-no-enfrentamento-da-covid-19-urgencias-e-desafios/

[4] https://nepolufjf.wordpress.com/os-governos-municipais-frente-ao-coronavirus/

[5] http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/marise-reis-estamos-conseguindo-identificar-todos-os-casos/478675

[6] Ver MORAES, Rodrigo Fracalossi de. Medidas Legais de Incentivo ao Distanciamento Social: Comparação das Políticas e Governos Estaduais e Prefeituras das Capitais No Brasil. Nota Técnica – 2020 – Abril – Número 16 – Dinte.

[7] Ainda que não seja objeto deste texto, algo similar se observa em Mossoró (comandada pela ex-governadora Rosalba Ciarlini Rosado do Progressistas) e em Parnamirim (governada por Rosano Taveira, do Republicanos), ambos opositores da governadora Fátima Bezerra (PT).

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